Acesso ao mercado de capitais: um papo com Guilherme Benchimol (XP), Bruno Levacov (Atmos), Mario Joppert (Dynamo) e Mauricio Bittencourt (Velt)
“O IPO não é a linha de chegada ou a glória, é simplesmente mais um estágio. É uma maneira de você fortalecer a sua visão, a sua tese e ter ainda mais suprimento para ir com maior intensidade na direção que você escolheu”.
Como bem definiu Guilherme Benchimol, fundador da XP, estrear na Bolsa de Valores não é um fim, mas o início de uma nova fase. Ainda que seja o sonho de muitos empreendedores, esse marco representa um momento bem diferente, com muitos acionistas, muito mais transparência e outro tipo de pressão.
Para ajudar as empresas a se prepararem muito bem antes de lançarem-se nessa empreitada, o Canary promoveu um evento, via Zoom, nesta semana. Além do Benchimol, participaram investidores de alguns dos principais fundos de ações do Brasil: Bruno Levacov, da Atmos, Mario Joppert, da Dynamo, e Mauricio Bittencourt, da Velt. Abaixo, compilamos alguns dos principais ensinamentos da conversa.
Na Champions League
“Abrir capital é mudar de patamar, é ter uma ‘linha de crédito’ muito maior e ter todos os investidores do Brasil e do mundo te olhando e colocando pressão, no bom sentido”, diz Benchimol. De fato, o IPO representa um novo momento da empresa, talvez o mais importante de sua trajetória, quando há mais valor at stake. A organização fica mais institucionalizada, há novos protocolos a serem observados e agora a sensação é de que começou o jogo na primeira liga — e jogar na Champions tem suas especificidades.
O acesso mais ágil e fácil a capital, sem dúvidas, é uma vantagem. Uma companhia consolidada de capital fechado, em geral, até consegue captar os recursos necessários para cumprir com seus objetivos, mas estar listado na bolsa permite que isso aconteça de forma muito mais rápida. “Há empresas que fizeram operações em 2, 3 dias; é um resultado muito atraente. Quando há oportunidade de M&A, então, você nem precisa levantar capital, sua ação já está valendo como moeda. Para quem tem possibilidade de crescimento inorgânico grande, esse é um ativo muito valioso”, defende Bittencourt.
O IPO também significa um alinhamento entre os principais stakeholders da organização. Nesse momento, todos os investidores de momentos anteriores da empresa, que participaram de rodadas de seed ou Series A, B, C etc., vão para a mesma classe de ação. Para o(a) empreendedor(a), ter todos olhando para uma mesma direção pode ser um benefício.
Mais um bônus, fundamental para o negócio: atrair talento também fica mais fácil. Empresas com mais visibilidade (e com o preço de sua ação mais tangível) tendem a conquistar mais profissionais competentes.
Por outro lado, capital aberto resulta em mais stakeholders para conversar e interagir — e também em mais cobranças e questionamentos. Ainda que muitas dessas opiniões possam ser de um valor inestimável para o negócio, muitas vezes, essa diversidade de visões pode atrapalhar. No final das contas, o(a) empresário(a) tem de ter um foco bem claro de onde quer chegar e manter seus planos de longo prazo, para não ficar à mercê de flutuações do mercado e de opiniões. Voltamos ao assunto…
Outro fator a se considerar é que uma empresa de capital aberto está necessariamente muito mais exposta. Invariavelmente, ela tem de compartilhar informações, o que pode ocasionar não só críticas, mas também uma reação mais rápida dos competidores. Nesse sentido, é preciso ser muito estratégico com as divulgações que são feitas. Um cuidado ainda maior com comunicação passa a ser regra no dia a dia da empresa. O esforço deve ser no sentido de encontrar um equilíbrio sutil na abertura desses dados, para que o mercado de capitais consiga interpretar o negócio de forma correta mas, ao mesmo tempo, não haja uma entrega do jogo tático para outros players.
“IPO é muito mais saudável do que o contrário, desde que você faça no timing correto”
A frase é do Benchimol. Para dar esse passo, o(a) empreendedor(a) tem de estar confiante, saber que já testou algumas hipóteses antes e ter certeza de que estrear na bolsa vai alavancar o negócio.
Para os investidores, uma companhia precisa estar baseada em pilares muito sólidos, ter clareza do que quer, de onde quer chegar e fazer uma autocrítica profunda antes do IPO. É um momento que exige autoconfiança. Muitos questionamentos irão surgir e perder o rumo é fácil.
Uma empresa de capital fechado pode aproveitar para ir ‘comendo pelas beiradas’. Sem tanta atenção externa, é possível consolidar melhor a tese de negócios sem atrair muitos concorrentes. Vale aproveitar bem essa vantagem da vida pré-IPO.
“Pensar em abrir capital é quase como jogar War. Antes, você dominou a Oceania. Quando você vai a mercado, tenta conquistar a Ásia. É a escolha de cada um. Tem de ver se vale se expor mais para continuar indo em frente”, compara Benchimol.
Para além do timing da empresa e da maturidade do empreendedor, o momento societário também deve ser considerado para decidir por essa nova fase. Durante a vida da empresa com capital fechado, conforme o tempo passa e novas rodadas acontecem, o(a) founder acaba sendo diluído e os interesses de cada investidor podem divergir. “Os investidores iniciais, que já ganharam muito lá atrás, podem querer que o empreendedor seja mais conservador, enquanto os investidores mais recentes querem acelerar. O empreendedor pode ficar no meio dessas opiniões, apesar de já estar à frente de um business mais consolidado. O IPO é uma forma de solucionar esse problema: você migra todo mundo para a mesma classe de ação. Do ponto de vista societário e para o empreendedor, isso pode fazer muito sentido”, defende Joppert.
“Detalhes” fundamentais de processo
Chegou a hora. A empresa tem certeza de que o IPO é o melhor caminho para conseguir mais tração. E agora, como seguir? O processo não é simples e demanda bastante tempo e energia da organização.
Antes de mais nada, a empresa tem de ter uma contabilidade organizada e uma área jurídica bem estruturada para dar conta de todas as exigências desse momento. Não é um percurso simples: prepare-se para centenas de conversas, burocracia, muitas revisões e idas e vindas até tudo estar concluído. Algumas etapas:
- É preciso escolher o consórcio dos bancos que vão fazer o IPO. Até chegar a essa definição, a companhia normalmente tem de fazer uma quantidade exorbitante de reuniões com possíveis interessados. Isso significa ouvir propostas, negociar fees, conversar com todos os interessados. Nessa hora, é bom aproveitar para construir relacionamento, mesmo com os que não participarem efetivamente do IPO.
- É necessário também formar uma equipe experiente de advogados, para começar a preparar a documentação, seja para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) ou para a SEC (Securities and Exchange Commission, nos Estados Unidos).
- A empresa tem de trabalhar junto aos analistas dos bancos para fazer um business plan, ver se de fato está consistente, e preparar as apresentações para o mercado.
- Reuniões com investidores também são parte dessa rotina. Normalmente, até abrir capital, são centenas dessas conversas, para que tudo já esteja mais alinhado para o IPO.
Joppert destaca que tudo isso acontece quase que simultaneamente. Ao mesmo tempo em que traz muitos aprendizados ao empreendedor, o momento também exige trabalho e dedicação. “A companhia tem de estar muito organizada do ponto de vista interno, até para a sua performance não cair ao longo do processo do IPO, dado que fundadores têm um tempo limitado e têm de tomar diversas decisões pelo caminho”.
Para Benchimol, é essencial saber delegar, construir um time forte e ter sócios para ajudar nesse processo. “Você precisa ter gente de confiança para tocar essa parte operacional do IPO e não perder de vista o dia a dia do seu negócio. Se não for assim, você não dá conta. É um processo cansativo, mas também dá para conversar com muita gente e aprender bastante”, conta.
Empresas VC backed abrem capital
“O IPO é quando a pessoa deixa de ser empreendedora para virar empresária”, define Joppert. Para quem veio seguindo de forma saudável o VC path e cresceu o suficiente para estrear na bolsa, é preciso virar essa chave.
Como dissemos lá em cima, esse novo patamar da empresa representa mais visibilidade e mais recursos, com todas as implicações, bônus e ônus que vêm junto. O(a) empresário(a) precisa saber o que quer com muita clareza para aplicar bem o capital. Desperdiçar recursos pode ocasionar uma queda no preço da ação e menos possibilidades adiante.
Levacov acrescenta que, normalmente, a indústria de VC tende a dar um peso grande à narrativa, o que faz sentido no early stage. Empresas que estão começando a transformar uma ideia em negócio e acabam testando muito para conseguir monetizar o modelo, realmente, precisam se apegar à sua breve história. “Quando você vai para uma listagem pública, existe uma maior expectativa para lucratividade futura. A narrativa não é a melhor estratégia para conquistar outros rounds. Aliás, o IPO tem de ser tratado quase como o último round de captação, e a empresa tem de constantemente equilibrar o business com seus planos de crescimento”.
Outro ponto fundamental: fazer IPO é uma decisão que deve partir da companhia e do(a) empresário(a). Se, a priori, ele(a) não sabe se faz sentido e precisa perguntar para investidores, muito provavelmente é melhor esperar. O tal do timing, que destacamos acima, não está certo.
“É o cachorro que abana o rabo”
Fazer IPO sem metas claras e sem saber aonde se quer chegar é receita para um ‘bolo solado’. Uma empresa de capital aberto tem de lidar com questionamentos diversos e constantes e é comum se perder nesse contexto. Ter visão de longo prazo é fundamental.
“É o cachorro que abana o rabo, não o contrário”, diz Benchimol. “A sua companhia ser melhor é o que vai fazer suas ações irem melhor. Por isso, escolha as suas batalhas. Foque em fazer cada vez mais receita a longo prazo, cada vez menos despesa e em ter cada vez mais qualidade”.
Conselho importante: Tentar atender às expectativas do mercado no curto prazo é um risco — e bem alto.
O IPO não deve mudar o plano de execução estratégica do negócio, apenas acelerá-lo. É muito importante que as virtudes que trouxeram a empresa até esse ponto não sejam substituídas para agradar aos investidores, até porque é difícil ter clareza do que o mercado quer.
“É preciso cuidado para não ficar refém. Investidores têm uma certa obsessão na monetização imediata do negócio, o que pode tirar um pouco da criatividade do empreendedor, necessária para navegar em águas turbulentas”, defende Levacov. “O Jeff Bezos faz isso muito bem na Amazon: todo ano, há uma carta muito clara do que os investidores devem esperar da companhia, desde o início. Se a organização ficasse à mercê dos sinais do mercado, talvez não tivesse lançado outros produtos”.
Aqui, vale a mesma regra para quem está no early stage. Focar no produto, em resolver o problema e em criar um negócio que faça sentido econômico é a estrada a seguir — isso deve pautar a agenda da organização. Rodadas de investimento são consequência.