Este artigo foi originalmente postado no First Round Review. Recebemos autorização da marca para traduzí-lo. O autor é Rahul Vohra, fundador e CEO da Superhuman — uma startup que desenvolve uma ferramenta de e-mail que oferece a experiência mais rápida do mundo.
Todos nós já ouvimos que encontrar o product/market fit (em português, isso significa algo como adaptação de produto e mercado) leva ao sucesso de uma startup — e que a ausência dele está por trás de quase todos os fracassos.
Para fundadores, encontrar o product/market fit é uma obsessão desde o primeiro dia. É tanto o grande obstáculo que estamos correndo para conseguir superar, quanto a preocupação que nos mantêm acordados à noite. Mas quando entendemos o que, de fato, é product/market fit e como é possível alcançá-lo, a maioria de nós rapidamente percebe que não existe um approach testado cientificamente que garanta o sucesso.
No Verão de 2017, eu estava em uma busca profunda para encontrar o product/market fit da minha startup, a Superhuman. Entre vários posts de blog e reflexões profundas que encontrei na internet, algumas visões me chamaram atenção. O fundador da Y Combinator, Paul Graham, descreve product/market fit como aquilo que acontece quando você produz algo que as pessoas querem, enquanto Sam Altman (chairman da YC) caracteriza como o momento em que os usuários espontaneamente recomendam que outras pessoas usem seu produto.
Mas a definição mais conhecida está na citação abaixo, publicada em um post do blog do Marc Andreessen em 2007:
“Você sempre pode sentir quando o product/market fit não está dando certo. Os clientes não veem valor no produto, o boca-a-boca não funciona, o uso não está crescendo do jeito que deveria, as críticas da imprensa são sem sal, o ciclo de vendas é muito longo e muitos acordos nunca são fechados.
E você também sempre pode sentir quando o product/market fit está acontecendo. Nesse caso, o ritmo de compra dos clientes é tão rápido quanto seu tempo de desenvolvimento — ou o uso do produto está crescendo tão rápido que a adição de novos servidores mal consegue acompanhar. O dinheiro dos clientes se acumula na conta da sua empresa. Você está contratando suporte para os times de vendas e atendimento ao cliente o mais rápido que pode. Jornalistas estão ligando porque ouviram falar da sua nova solução e querem conversar com você sobre ela. Você começa a ganhar prêmios de empreendedor do ano da Harvard Business School. Bancos de investimento estão acampando em frente à sua casa.”
Para mim, essa é a definição mais verdadeira — e que me trouxe lágrimas aos olhos conforme eu a encarava.
Nós iniciamos o desenvolvimento da Superhuman em 2015. Um ano depois, nosso time cresceu para sete pessoas e nós continuávamos programando furiosamente. No Verão de 2017, chegamos a 14 pessoas — e continuávamos programando. Eu sentia uma pressão enorme para lançar o produto logo, tanto pelo time, quanto por mim mesmo. Minha startup anterior, a Rapportive, havia sido lançada, escalada e adquirida pelo LinkedIn em menos tempo do que isso. E lá estávamos nós, depois de dois anos, ainda sem nada conquistado.
Mas não importava a pressão, eu ainda não estava pronto para lançar. A prática mais comum nesse caso seria apenas “jogar no mercado e ver o que rola”, o que não era uma má ideia depois de alguns meses de esforço com custos não recuperáveis ainda reduzidos. Mas o método de “lançar e ver o que acontece” me parecia irresponsável e imprudente — especialmente considerando todo o tempo que investimos no projeto.
Parte da pressão estava no fato de eu, como fundador, não poder simplesmente dizer ao time como me sentia. Aqueles engenheiros super ambiciosos colocaram seus corações no produto. Não havia como falar para a equipe que ainda não estávamos prontos e, pior, que eu não tinha uma estratégia para sair daquela situação. Não era o tipo de coisa que eles iriam querer ouvir. Eu precisava encontrar a linguagem ou estrutura certa para articular nossa posição e transmitir quais seriam os próximos passos que nos levariam ao ajuste do product/market fit, mas eu estava com dificuldade para fazer isso.
Acontece que as definições de product/market fit que encontrei eram muito úteis para empresas que já haviam lançado um produto. Se depois do lançamento, a receita não crescer, levantar capital ficar difícil, a imprensa não quiser falar com você e a base de usuários não aumentar, então, você pode seguramente concluir que você não tem product/market fit.
Mas, na prática, por conta do meu sucesso anterior como fundador, eu não tive problemas em levantar capital . Nós podíamos ter chamado a atenção da imprensa, mas estávamos ativamente evitando jornalistas. O crescimento da base de usuários não estava acontecendo, porque optamos deliberadamente por não trazer novos usuários. Estávamos no estágio “pré-lançamento” e não tínhamos indicadores para ilustrar nossa situação de forma clara.
As definições de product/market fit me pareciam muito adiantadas e inviáveis para o estágio em que estávamos. Eu entendia claramente onde estávamos, mas não sabia como comunicar isso para os outros — e não tinha nenhum plano para o que viria a seguir.
Então, eu espremi meu cérebro em busca de uma resposta sobre como percorrer a distância entre onde a Superhuman estava e onde precisávamos chegar. E eu finalmente comecei a me questionar: e se pudéssemos medir o product/market fit? Se você for capaz de medir product/market fit, talvez possa otimizá-lo. E, então, talvez possa melhorá-lo sistematicamente.
Com esse novo propósito e uma nova direção, criei um processo de engenharia reversa para chegar ao product/market fit. Trago aqui algumas coisas que descobrimos, mais especificamente a métrica esclarecedora que fez tudo se encaixar e o processo de quatro etapas que usamos para construir um motor que impulsionou a Superhuman no caminho para encontrar nosso fit.
ANCORAR-SE EM UMA MÉTRICA: UM INDICADOR IMPORTANTE PARA ALCANÇAR O PRODUCT/MARKET FIT
Na minha missão para entender product/market fit, li tudo o que pude e conversei com todos os especialistas que encontrei. Tudo mudou quando conheci Sean Ellis, responsável pelo crescimento no início da operação de Dropbox, LogMeIn e Eventbrite, e que, mais tarde, criou o termo “growth hacker”.
As definições de product/market fit que descobri eram vivas e instigantes, mas traziam indicadores obsoletos — no momento em que os bancos de investimento já estão acampando na frente da sua casa, você já possui product/market fit. Em vez disso, Ellis descobriu um indicador melhor:
Apenas pergunte aos usuários “como você se sentiria se não pudesse mais usar este produto?” e meça o percentual daqueles que responderem “muito desapontados”.
Depois de fazer benchmark com pesquisas de desenvolvimento de clientes de quase 100 startups, Ellis descobriu que o número mágico era 40%. Empresas que lutaram muito para crescer quase sempre tinham menos de 40% dos usuários respondendo “muito desapontados”, enquanto as empresas com ritmo forte de crescimento quase sempre superavam essa marca.
Pergunte aos seus usuários como eles se sentiriam se não pudessem mais usar o seu produto. O grupo que responder “muito desapontado” irá te ajudar a destravar o melhor product/market fit.
Um bom exemplo é o de Hiten Shah, que apresentou a pergunta de Ellis para 731 usuários do Slack em um projeto de pesquisa aberta em 2015. 51% deles responderam que ficariam muito desapontados sem o Slack, revelando que o produto já havia alcançado product/market fit quando atingiu em torno de meio milhão de usuários pagos. Hoje, isso não parece tão surpreendente, considerando a história de sucesso do Slack. Mas, de fato, este exemplo mostra como é difícil bater o benchmark de 40%.
Inspirados por esta abordagem, decidimos medir quais seriam as respostas para a Superhuman. Identificamos usuários que haviam experimentado recentemente o principal recurso do nosso produto, seguindo a recomendação de Ellis de focar naqueles que usaram o produto pelo menos duas vezes nas últimas duas semanas (naquele momento, tínhamos entre 100 e 200 usuários dentro da amostra, mas startups menores não precisam fugir dessa tática — você já pode começar a colher bons resultados com cerca de 40 entrevistados, uma quantidade bem menor do que o imaginado por muita gente).
Enviamos um e-mail para esse grupo de usuários com um link de uma pesquisa no TypeForm com as quatro perguntas abaixo:
1. Como você se sentiria se não pudesse mais usar a Superhuman?
a) Muito desapontado
b) Um pouco desapontado
c) Não me sentiria desapontado
2. Qual o perfil de pessoa que você acha que mais se beneficiaria com a Superhuman?
3. Qual o principal benefício que você recebeu da Superhuman?
4. Como podemos melhorar a Superhuman para você?
Na coleta das respostas, analisamos a pergunta número um:
Apenas 22% dos usuários escolheram a alternativa “muito desapontado”, deixando claro que a Superhuman não havia atingido product/market fit. Apesar de o resultado parecer desanimador, eu me senti energizado. Eu havia encontrado a ferramenta para explicar nossa situação para o time e — mais legal ainda — um plano para impulsionar nosso product/market fit.
DO BENCHMARK AO MOTOR DE CRESCIMENTO: UM MANUAL DE QUATRO PASSOS PARA OTIMIZAR O PRODUCT/MARKET FIT
Determinado a mudar de estágio, passei a focar em formas de melhorar nossa pontuação do product/market fit. As respostas de cada pergunta da pesquisa se tornariam ingredientes-chave para aquilo que se tornou o framework para atingir nossa meta.
Aqui estão os quatro componentes que compuseram nosso motor de product/market fit:
1. Faça segmentações para encontrar seus apoiadores e crie uma persona dos clientes com as maiores expectativas.
Em suas primeiras ações de marketing, você deve ter atraído todos os tipos de usuários — especialmente se tiver conseguido alguma menção na imprensa ou se seu produto oferecer pelo menos alguma ferramenta gratuita. Muitos desses usuários não serão bem-qualificadas; eles não têm real necessidade do seu produto e o principal benefício que ele oferece pode não ter fit com elas. A verdade é que você não quer ter esse perfil como seus usuários.
Quando você tem um time em estágio inicial, você pode limitar seu mercado potencial a partir de quem você acha que é o público do seu produto, mas isso não vai te ensinar nada novo. Se, em vez disso, você usar o grupo de usuários “muito desapontados” da pesquisa como uma lente para enxergar qual é o seu mercado, os dados podem falar por eles mesmos — e você pode descobrir diferentes mercados nos quais o seu produto ressoa de forma muito forte.
Para mim, a meta da segmentação era conseguir encontrar novos espaços (que poderiam ter passado despercebidos por mim ou que eu sequer teria pensado em considerar) nos quais a Superhuman poderia apresentar product/market fit.
Começamos organizando as informações da pesquisa pelas respostas da primeira pergunta (“Como você se sentiria se não pudesse mais usar a Superhuman?”):
Então, definimos uma persona para cada perfil das pessoas que responderam à pesquisa:
Em seguida, analisamos as personas que apareceram no grupo de “muito desapontados” — os 22% que eram nossos maiores apoiadores — e limitamos o mercado. Neste exemplo simplificado, focamos em fundadores (“founder”), gerentes (“manager”), executivos (“executives”) e desenvolvedores de negócios (“business developers”) — ignorando todas as outras personas temporariamente.
Com essa visão mais segmentada dos dados, os números mudaram. Olhando somente para o grupo de usuários “muito desapontados” que amavam nosso produto, nosso resultado de product/market fit aumentou em 10%. Nós ainda não havíamos atingido os 40%, mas havíamos nos aproximado, com um esforço mínimo.
Para me aprofundar mais, quis entender melhor os usuários que realmente amavam nosso produto. Eu esperava criar a melhor fotografia possível desses usuários para motivar o time todo a atendê-los da melhor forma possível.
Para isso, escolhi o framework dos clientes com alta expectativa (do inglês, high-expectation customer ou HXC) criado por Julie Supan . Essa ferramenta não abrange todas as personas, mas sim as mais críticas dentro do seu target demográfico. Importante destacar que é esse grupo que vai desfrutar dos grandes benefícios do seu produto e ajudar a divulgá-lo para outras pessoas. Por exemplo, os HXC do Airbnb não querem apenas visitar novos lugares. Eles querem pertencer a esses lugares. Para o Dropbox, os HXC querem se manter organizados, tornar suas vidas mais simples e ter segurança no trabalho.
Com isso em mente, procurei identificar os HXC do Superhuman. Selecionamos apenas os usuários que ficariam “muito desapontados” sem o nosso produto e analisamos suas respostas para a segunda pergunta da nossa pesquisa: “Qual o perfil de pessoa que você acha que mais se beneficiaria da Superhuman?”
Essa é uma pergunta muito poderosa porque usuários felizes quase sempre descreverão a si mesmos, e não outras pessoas, usando as palavras que mais importam para si. Isso te permite descobrir para quem o produto está funcionando bem e qual linguagem faz sentido para esse público (o que fornece também bons insights para marketing).
Usando as próprias palavras dos nossos clientes e as dicas de Supan para construir o perfil de usuário, criamos uma rica e detalhada visão do HXC da Superhuman:
Nicole é uma profissional que trabalha muito e lida com muitas pessoas. Ela pode ser uma executiva, empreendedora, gerente ou trabalhar com desenvolvimento de negócios. Nicole trabalha muitas horas e frequentemente aos finais de semana. Ela se considera muito ocupada e gostaria de ter mais tempo livre. Nicole já se sente produtiva, mas tem consciência de que poderia ser ainda mais e eventualmente busca formas de melhorar sua produtividade. Ela gasta boa parte do seu dia de trabalho na sua caixa de entrada de e-mails, lendo de 100 a 200 e-mails e enviando de 15 a 40 em um dia comum (podendo chegar a 80 nos dias de pico).
Nicole considera que parte de seu trabalho é ser responsiva e ela se orgulha por, de fato, ser assim. Ela sabe que a falta de agilidade nas respostas pode impactar seu time, prejudicar sua reputação ou levar à perda de oportunidades. Ela tem a meta de limpar sua caixa de entrada de e-mails todos os dias, mas só consegue fazer isso duas ou três vezes por semana, no máximo. Muito raramente — talvez uma vez por ano — ela declara “falência” de sua caixa de e-mail. Ela normalmente tem um mindset de crescimento. Se por um lado é aberta a novos produtos e se mantém atualizada com a tecnologia, por outro, pode ter uma ideia pré-concebida sobre o uso de e-mails. Está aberta a novos sistemas, mas é cética em relação à ideia de que algum possa ajudá-la a ser mais ágil.
Com nosso HXC em mente, criamos uma ferramenta para direcionar toda a empresa para atender esse segmento específico de “Nicoles” melhor do que qualquer outro concorrente. Algumas pessoas podem achar esse método muito limitante, argumentando que você não deve se restringir tão cedo a uma base de clientes tão específica.
Existe uma ideia pré-concebida de que personalizar tanto um produto para um público-alvo pequeno significa que o crescimento irá atingir um teto — mas eu não acho que seja esse o caso.
Paul Graham explica sabiamente por que:
“Quando uma startup é lançada, é preciso que existam ao menos alguns usuários que realmente precisam do que ela está produzindo — não bastam pessoas que poderiam se ver usando aquilo eventualmente, é preciso existir quem deseje urgentemente aquela solução. Normalmente, esse grupo inicial é pequeno pela simples razão de que, se houvesse uma necessidade urgente de um grande número de pessoas que pudesse ser atendida com o mesmo esforço que uma startup coloca em uma versão teste, esta solução provavelmente já existiria. Isso significa que você precisa se comprometer com uma dimensão: você pode tanto construir algo que um grande número de pessoas queira um pouco ou algo que um pequeno número de pessoas queira muito. Escolha a segunda opção. Nem todas as ideias desse tipo são boas ideias para startups, mas praticamente todas as boas ideias de startups são desse tipo.”
Em um outro post, ele reforça essa ideia:
“Em teoria, esse tipo de escalada pode trazer problemas para uma startup. Elas podem acabar em um máximo local. Mas na prática isso nunca acontece… O ápice no espaço de ideias de startups não é pontiagudo e isolado. A maioria das boas ideias são adjacentes a outras ideias ainda melhores.”
Na essência, é melhor criar algo que um pequeno número de pessoas queira em grande quantidade, do que um produto que um grande número de pessoas queira em pequena quantidade. Na minha visão, o processo de product/market fit através do estreitamento do público-alvo otimiza massivamente a criação de um produto que um pequeno número de pessoas queira em grande quantidade.
2. Analise os feedbacks para converter os usuários em cima do muro em fanáticos.
Para isso, apenas enxugar os HXC não é suficiente. Primeiro, nós estreitamos a base mas agora é preciso cavar mais fundo. Considerando que estávamos abaixo da métrica de 40%, tínhamos que descobrir por que este pequeno grupo realmente amava a Superhuman — e como nós poderíamos trazer mais usuários para este segmento.
Para chegar à raiz de como poderíamos melhorar o produto e expandir a profundidade dos recursos oferecidos, achei útil focar meus esforços nas seguintes questões-chave:
- Por que as pessoas amam o produto?
- O que impede as pessoas de amar o produto?
Para entender por que os usuários amavam a Superhuman, nos voltamos mais uma vez para o grupo de usuários que ficariam “muito desapontados” sem o produto. Desta vez, olhamos para as respostas da terceira pergunta da pesquisa: “Qual o principal benefício que você recebeu da Superhuman?”
Seguem alguns exemplos de respostas que se destacaram:
- “O processamento de e-mails é muito mais rápido com a Superhuman por dois motivos: ela me mostra um e-mail por vez e a velocidade geral é muito melhor do que a do Gmail. Limpo minha caixa de entrada em metade do tempo.”
- “Velocidade! O aplicativo é insanamente rápido e a usabilidade e os atalhos de teclado me transformam em um superhumano real.”
- “Usar a Superhuman é muito mais rápido do que usar o Gmail. Não chega nem perto. E ela replica meus atalhos favoritos do Gmail, zerando a curva de aprendizado de um heavy user do Gmail.”
- “Eu posso trabalhar com os e-mails que chegam de forma mais rápida, classificando as mensagens para que se adaptem e simplifiquem meu processo de trabalho.”
- “Velocidade. Estética. Posso fazer tudo pelo teclado.”
- “Velocidade e a ampla variedade de atalhos do teclado. Eu raramente uso o trackpad, se é que já usei alguma vez.”
Depois de organizar as respostas numa nuvem de palavras, alguns temas comuns ficaram evidentes: os usuários que amavam a Superhuman valorizavam muito a velocidade, o foco e os atalhos de teclado do nosso produto.
Com esse entendimento profundo da atratividade do produto, voltamos nossa atenção para descobrir como poderíamos ajudar mais pessoas a amarem a Superhuman.
Nosso próximo passo era, de alguma forma, contra intuitivo: decidimos gentilmente ignorar os feedbacks dos usuários que não se sentiriam desapontados se não pudessem mais usar nosso produto.
O grupo de usuários “não desapontados” não deveria impactar de forma alguma sua estratégia de produto. Eles demandarão funcionalidades secundárias, representarão exemplos com pouco fit e provavelmente farão muitas reclamações, tudo isso antes de darem churn e te deixarem com um roadmap de produto confuso e truncado. Por mais estranha e dolorosa que essa orientação possa parecer, não aja a partir do feedback desse grupo — isso vai te levar a se perder da missão de encontrar o product/market fit.
Educadamente desconsidere aqueles que não se sentirão desapontados sem o seu produto. Eles estão tão longe de te amar que essencialmente são uma causa perdida.
Isso nos deixa com o grupo de usuários que se sentiriam “um pouco desapontados” sem o seu produto para olhar. Por um lado, o ‘um pouco’ indica uma abertura. A semente da atração está lá e talvez, com alguns ajustes, você possa convencê-los a se apaixonar pelo seu produto. Mas, por outro lado, é totalmente provável que algumas dessas pessoas nunca se sintam “muito desapontadas” sem o seu produto, independente das melhorias que você traga para ele.
Para fazer um ajuste fino sobre quem nos trouxe boas sugestões, segmentamos novamente. Analisando as respostas da nossa terceira pergunta da pesquisa, descobrimos que os usuários felizes com a Superhuman destacavam a velocidade como o principal benefício do produto. Dessa forma, nós usamos esse critério para filtrar o grupo de usuários “um pouco desapontados”.
Depois de dividir esse grupo em dois novos segmentos relacionados à velocidade do produto, decidimos aproveitar o feedback deles para agir das seguintes formas:
- Usuários “um pouco desapontados” para quem a velocidade não era o principal benefício, optamos por educadamente desconsiderá-los, uma vez que nosso principal benefício não os impactava. Ainda que desenvolvêssemos tudo o que eles quisessem, seria muito improvável que se apaixonassem pelo nosso produto.
- Usuários “um pouco desapontados” para quem a velocidade era o principal benefício, direcionamos bastante atenção, já que nosso principal benefício os impactou. Alguma coisa — provavelmente pequena — os afastava do fanatismo.
Focando neste segundo grupo, olhamos com mais atenção para as respostas que eles deram para a quarta pergunta da nossa pesquisa: “Como podemos melhorar a Superhuman para você?”.
Segue o que eles responderam:
Descobrimos que o principal fator que poderia estar nos impedindo de reter esses usuários era simples: a falta de um aplicativo mobile. Em 2015, escolhemos a controversa abordagem de começar com a versão desktop. A maioria dos e-mails é enviada a partir do desktop e, por isso, pensamos que poderíamos agregar mais valor dessa forma. Já vínhamos planejando desenvolver um aplicativo mobile, mas no início da nossa jornada — como em toda startup — tínhamos moedas suficientes para apenas uma aposta. Em 2017, ficou claro que não poderíamos mais adiar isso e que o mobile se tornou ponto crítico para encontrarmos o product/market fit.
Sondando um pouco mais, descobrimos pedidos menos óbvios e mais interessantes: integrações com outras plataformas, recursos para anexar arquivos, calendário, caixa de entrada unificada, melhor sistema de busca, aviso de leitura e muitos outros no long tail de clientes. Por exemplo, como uma startup early stage, nós não estávamos usando o calendário de forma muito intensa internamente e por isso não priorizamos essa funcionalidade (baseando-se na nossa própria intuição sobre email). Entretanto, ao nos debruçarmos sobre os feedbacks recebidos, acabamos colocando o calendário como uma das prioridades de desenvolvimento do produto.
Com um entendimento mais claro do principal benefício do nosso produto e das funcionalidades que ainda faltavam, tudo o que nos restava fazer era priorizar e aplicar os feedbacks na construção da Superhuman. Implementar os desejos segmentados contribuiria para que os clientes que ficariam “um pouco desapontados” a sair de cima do muro e entrar para o território dos usuários entusiastas e influenciadores.
3. Construa seu roadmap dobrando a aposta sobre o que seus usuários amam e endereçando o que desanima os outros.
Apesar de já termos entendido o que os usuários amavam no nosso produto e o que retinha outros, no começo, não ficou muito claro como conciliaríamos a tensão entre esses dois grupos na hora de construir o nosso roadmap.
Por fim, acabei chegando à seguinte conclusão: se você apenas dobrar a aposta sobre o que seus usuários amam, o indicador de melhor encaixe entre produto e mercado não vai aumentar. E se você endereçar apenas o que desanima outros usuários, a concorrência provavelmente vai te superar. Esse insight nos orientou no processo de planejamento do produto e basicamente direcionou todo o nosso roadmap.
Para dobrar a aposta no que os nossos usuários “muito desapontados” amavam, metade do nosso roadmap foi dedicado aos seguintes temas:
- Mais velocidade. A Superhuman já era muito rápida, mas trabalhamos para deixá-la ainda mais. O tempo de resposta da interface do usuário (UI) era de 100 milissegundos e a busca já era mais rápida que a do Gmail. Ainda assim, dobramos os esforços para reduzir o tempo de resposta para menos de 50 milissegundos e trabalhamos para tornar a pesquisa praticamente instantânea.
- Mais atalhos. Os usuários amavam a ideia de fazer tudo pelo teclado. Então, tornamos nossos atalhos ainda mais robustos e abrangentes. Construímos atalhos que nenhuma outra ferramenta de e-mail oferecia e passamos a colocar teclas no pipeline, assegurando que tudo funcionasse ainda que você digitasse mais rápido do que seu dispositivo pudesse absorver.
- Mais automação. Os usuários valorizavam realmente a habilidade de fazerem um uso mais eficiente do seu tempo. Mas todos tínhamos um limite: o tempo necessário para digitar. Então, decidimos construir os Snippets, uma funcionalidade que permitia que os usuários escrevessem frases, parágrafos ou e-mails inteiros automaticamente. Para poupar ainda mais tempo, tornamos os Snippets mais robustos, adicionando a possibilidade de incluir anexos, adicionar pessoas automaticamente em cópia no e-mail e ainda integrar com CRM e ATS.
- Mais melhorias de design. Nos feedbacks que recebemos, vimos que os usuários amavam o design e os pequenos detalhes do nosso produto e, por isso, investimos em centenas de pequenos toques para mostrar que nos importamos com eles. Por exemplo: ao escrever “-->”, o símbolo automaticamente muda para uma seta para direita: →.
Para ganhar mais espaço com nossos usuários “apaixonados pela velocidade, mas, ainda assim, um pouco desapontados se deixassem de usar nosso produto”, a outra metade do nosso roadmap foi focada em:
- Desenvolvimento do app mobile;
- Novas integrações;
- Melhoria na forma de anexar arquivos;
- Introdução do calendário como nova funcionalidade;
- Criação de uma caixa de entrada unificada;
- Melhoria na ferramenta de busca;
- Lançamento do aviso de leitura.
Para saber quais iniciativas priorizar, usamos uma análise de impacto de custo bastante simples: classificamos cada ação ems: baixo/médio/alto custo e baixo/médio/alto impacto. Para a segunda parte do roadmap, focando no que desanimava usuários, o impacto ficou claro com o número de pedidos recebidos para cada tipo de melhoria. Na primeira metade do roadmap, para dobrar a aposta sobre o que as pessoas amavam, tivemos que medir o impacto de forma mais intuitiva. É aqui que nasce o “instinto de produto”, e isso é uma função da experiência que adquirimos ao longo da jornada e da profunda empatia que criamos com os nossos usuários (o estudo do perfil de usuários HXC ajudou bastante nesta etapa).
Com este plano de ataque criado, colocamos a mão na massa, começando com os frutos mais fáceis de colher: as melhorias de custo mais baixo e maior impacto, para que conseguíssemos entregar valor para os usuários imediatamente.
Para aumentar seu score do product/market fit, dedique metade do seu tempo dobrando a aposta sobre o que os usuários realmente amam e a outra metade para cuidar do que os desanima.
4. Repita o processo e transforme o score do product/market fit na sua métrica mais importante.
Com o passar do tempo, passamos a ouvir constantemente os novos usuários para mapear se o score do product/market fit estava mudando (fomos cautelosos em nos assegurarmos que não estávamos consultando os mesmos usuários mais de uma vez, para não comprometer o número em direção ao nosso benchmark de 40%).
O percentual de usuários que responderam “muito desapontados” rapidamente se transformou no nosso principal indicador. Era a nossa métrica de maior visibilidade e passamos a acompanhá-la semanalmente, mensalmente e trimestralmente. Para facilitar o monitoramento ao longo do tempo, criamos uma ferramenta para constantemente enviar a pesquisa para novos usuários e atualizar nossos números consolidados para cada período de tempo. Nós também revimos as prioridades do time de Produtos criando um OKR (no inglês, Objectives and Key Results, metodologia de gestão adotada por várias empresas do Vale do Silício) que trazia apenas um único key result: o percentual de usuários “muito desapontados”. Assim, poderíamos assegurar que continuaríamos melhorando nosso score do product/market fit.
Reorientar a Superhuman de acordo com esta única métrica valeu a pena. Ao iniciar esta jornada, no verão de 2017, nosso score do product/market fit era de 22%. Após a segmentação que nos levou a focar no grupo de usuários “muito desapontados”, chegamos a 33%. Em apenas três trimestres trabalhando nas melhorias do produto, o score quase dobrou para 58%.
E ainda não acabou. O score do product/market fit é uma métrica que vamos continuar monitorando. Eu acredito que é sempre útil que as startups acompanhem esse indicador, pois à medida que você cresce, você encontra diferentes perfis de usuários. Os early adopters são mais compassivos e vão desfrutar do benefício primário do seu produto mesmo com as limitações inevitáveis. Mas, quando você vai além deste grupo, os usuários vão se tornando mais exigentes, demandando comparação de funcionalidades com os produtos que usam atualmente. Seu score do product/market fit pode cair significativamente como consequência disso.
Entretanto, isso não deve causar muita ansiedade, já que existem alguns caminhos para contornar a situação. Se seu negócio for impactado por fortes efeitos de networking (como o Uber ou o Airbnb), então o benefício principal vai ajudar a manter sua reputação à medida que você cresce. Se sua uma companhia for SaaS, como a Superhuman, você simplesmente precisará continuar implementando melhorias no seu produto, à medida que o número de usuários for crescendo. Para viabilizar isso, todo semestre nós revisamos nosso roadmap por meio desse processo, assegurando que estamos melhorando o score do product/market fit rápido o suficiente.
PREPARANDO PARA O IMPACTO
Nas idas e vindas desse processo, descobri uma forma de definir product/market fit e uma métrica para medi-lo. Nossa equipe passou a ter um número único para buscar, em vez de uma meta abstrata que nos deixaria sem esperanças. Através de uma pesquisa com os usuários e da segmentação de nossos apoiadores, aprendemos o que nossos usuários amavam e o que os desanimavam ao usar o nosso produto. Ao dividir nosso roadmap em duas partes, encontramos uma metodologia para melhorar o product/market fit.
É difícil expressar o impacto dessa ferramenta de product/market fit sobre a nossa empresa. Tudo o que fazemos na Superhuman — desde contratações até vendas e do marketing a fundraising — se tornou muito mais fácil. Nosso time cresceu para 22 pessoas e nosso NPS (no inglês, Net Promoter Score) aumentou junto com o nosso score de product/market fit. Os usuários passaram a manifestar mais o quanto amavam nosso produto, tanto nas pesquisas quanto nas mídias sociais. Nossos investidores começaram a perguntar se poderiam injetar mais capital nas próximas rodadas de investimento, enquanto novos investidores continuaram a me procurar.
Dando um passo para trás para refletir o que aprendemos na Superhuman ao construir esta ferramenta de product/market fit, chego a duas conclusões finais:
Os investidores que orientam equipes em estágios iniciais devem evitar cobrar crescimento antes de product/market fit. Nessa indústria, todos sabemos que isso resulta em um desastre, ainda que a pressão por crescimento prematuro ainda seja muito comum. As startups precisam de tempo e espaço para encontrar seu fit e se lançar da maneira certa.
Para qualquer founder que esteja sonhando em sair da seca e enfrentando o caminho de um product/market fit que parece ilusão, eu já estive no seu lugar e espero que você considere substituir a ferramenta comum das startups de garagem por uma de criação própria. E quando você finalmente alcançar o score de product/market fit que está mirando, meu conselho é pisar no acelerador e crescer o mais rápido que puder. Pode soar desconfortável, mas você terá as evidências que precisa para saber que terá sucesso.
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