Como consertar o onboarding da sua startup

Canary
11 min readAug 5, 2019

--

Este artigo foi publicado originalmente no First Round Review.
Traduzimos com autorização da marca.

Carly Guthrie, consultora de RH

Na porta de entrada do céu, você é recebido por São Pedro, que te pergunta onde você quer passar a eternidade. “No céu, mas é claro”, você responde. São Pedro diz: “Antes de se comprometer, você precisa passar no inferno primeiro, apenas para ver como é lá.” Desapontado, você dá de ombros, mas acaba aceitando. E, para sua surpresa, quando a porta do elevador abre no andar do inferno, você vê lindas praias, campos de golfe e grupos de pessoas lindas com drinques coloridos. Você se surpreende, mas pensa que talvez o céu seja ainda melhor. Então, volta para o elevador e sobe, mas tudo o que você vê é um monte de harpistas sem graça sobre as nuvens. Além disso, não parece ter nada de bom para comer ali.

Você volta para São Pedro e diz: “Eu nunca pensei que diria isso, mas eu prefiro ir para o inferno”. Ele responde: “Que assim seja”. E você volta às profundezas para começar sua nova vida após a morte. Dessa vez, quando as portas se abrem, você encontra fogo, enxofre e uma corrente de lava. “O que é isso?”, você grita. “Onde está a praia? O que aconteceu?”. Seu comitê de boas-vindas te encara vagamente: “Ah! Ontem nós estávamos te recrutando. Hoje, você já está contratado.”

Esta é uma das piadas de RH feitas por Carly Guthrie. Depois de ter trabalhado no mundo corporativo por mais de 15 anos, passando por vários setores, ela diz que esse tipo de situação acontece mais do que deveria. Hoje, como consultora, ela ajuda empresas a construírem seus times de RH e afirma que essa dinâmica de “isca falsa” acontece o tempo todo com novos funcionários — em alguns casos, apesar da boa vontade da empresa. E, quando isso acontece, não é bom para ninguém. Nesta entrevista exclusiva, ela apresenta um planejamento de onboarding que prepara qualquer um para o sucesso.

Tranforme o RH em vantagem estratégica

“Há, atualmente, uma disputa acirrada para atrair os melhores talentos de tecnologia”, afirma Carly. “Todos estão tão focados em trazer as melhores pessoas que gastam toda a sua energia com isso. Mas, assim que conseguem trazer algum desses talentos, baixam a guarda.”

Existe uma mentalidade perigosa que leva as empresas a simplesmente trazerem ocupantes para as cadeiras do escritório, empenhando poucos esforços no processo de onboarding ou nas primeiras experiências da pessoa recém-contratada. Carly vê nisso um grande problema:

“Toda pessoa quer se sentir valorizada, especialmente depois de ter sido tão requisitada”. Ela acrescenta: “Pessoas talentosas são abordadas por recrutadores o tempo todo e se, de repente, perceberem que são apenas um número ou uma peça da engrenagem, elas sabem que terão outras opções.”

“Você precisa estruturar seu processo de RH, não apenas para conseguir os melhores talentos, mas também para retê-los.”

De acordo com Carly, uma abordagem de RH estruturada de forma completa é uma ferramenta que você usa em benefício próprio — e não algo a ser considerado só num segundo momento. Essa abordagem precisa ser coerente, consistente, alinhada à cultura e liderada por um ponto focal, seja um consultor, gestor ou head de RH.

Primeiro, encontre alguém de confiança

“Para efetivamente otimizar a primeira experiência de alguém em seu ambiente de trabalho, você precisa pensar em formas de melhorar o processo de onboarding e ser receptivo”, explica Carly. “Os primeiros dias são uma oportunidade de contar a história de quem você é e o que você quer conquistar, além de ficar bem próximo de todas as pessoas que começaram a trabalhar na sua empresa. Você quer aproveitar a oportunidade de validar a decisão delas de terem entrado para o time.”

Isso não significa que você precisa ter um funcionário ou um departamento interno de RH. O importante é o processo, que precisa ser desenvolvido o mais cedo possível dentro da sua empresa e atribuído a uma pessoa específica. “Ainda que seu RH seja um prestador de serviço ou um funcionário part-time, comece cedo”, afirma Carly. “É muito mais fácil construir uma relação de confiança com um profissional de RH quando você ainda está na fase de discussão e definição da cultura e do onboarding de funcionários. A última coisa que você quer é trazer um profissional de RH quando a coisa já está ruim.”

Por exemplo, pode ser muito desafiador para alguém que acabou de chegar na empresa te ajudar a demitir alguém, já que ela ainda mal conhece você.

Nenhuma empresa escapa da necessidade de ter conversas difíceis. Se você dirige uma empresa ou gerencia pessoas, inevitavelmente precisará endereçar casos de baixa performance e a possibilidade de mandar alguém embora. “É extremamente difícil fazer essas coisas sozinho, sem ter um grupo de pessoas com quem compartilhar a decisão, um grupo em que você confie para te dar uma opinião honesta”, afirma Carly. Essa é a principal razão pela qual você deve procurar construir uma relação construtiva com um profissional de RH tão logo possível, enquanto você ainda é pequeno.

“Se você é uma startup em estágio muito inicial, você definitivamente não precisa de um profissional full-time, mas alguém na empresa precisa vestir este chapéu. Eu recomendaria procurar por alguém que tenha experiência em RH, mas que também possa fazer trabalho administrativo, e não o inverso.”

Não perca a oportunidade do primeiro dia

“Do ponto de vista tático, a melhor oportunidade de impactar seus funcionário é no primeiro dia de trabalho deles”, afirma Carly. “No primeiro dia, todo mundo se sente bem, empolgado e bastante receptivo. Você precisa se organizar bem para estimular esse sentimento positivo e fazê-los se sentirem ainda mais incríveis, reafirmando suas escolhas.

“O primeiro dia de trabalho é a sua chance de ser o que você disse que era durante o processo de recrutamento.”

Você não vai querer parecer um impostor. Quando questionadas sobre sua cultura, muitas empresas dizem algo como “Ah, mas é claro… nós somos amigos inclusive fora do ambiente de trabalho e gostamos muito de sair juntos”. Todas trazem esse mesmo discurso. Sendo um pouco diferente disso, você tem a chance de construir uma startup realmente diferenciada.

“Proporcione uma experiência que permita que uma pessoa recém-chegada seja esperada por todos em seu primeiro dia. Que todos já saibam o nome dela e o que ela vai fazer. Que todos sejam super receptivos e compreensivos em relação ao fato de que conhecer tanta gente nova ao mesmo tempo pode ser cansativo”, defende Carly. “Não faça seus funcionários novos ficarem ansiosos por saber onde e como vão almoçar. Elimine todos esses pequenos obstáculos que causam o nervoso do primeiro dia. Tudo isso mostra um nível de cuidado que muitas organizações falham em atingir.”

Antes de entrar para o setor de tecnologia, Carly liderou o RH do Thomas Keller Restaurant Group, proprietário do rebuscado restaurante The French Laundry, que fica na Califórnia. O sucesso deles não é segredo. “Eles são incrivelmente cuidadosos em relação a cada detalhe da experiência de jantar dos seus clientes”, ela conta. “Antes mesmo de você chegar, o restaurante já considera suas eventuais alergias e preferências de comida, além dos itens do menu que você provou anteriormente. É um nível de cuidado e atenção que se perdeu nos tempos modernos, mas que torna as coisas especiais, memoráveis.”

Você não precisa ter todas as respostas sobre a sua cultura, ou pelo que uma nova contratação pode esperar no fim do dia. Mas recebendo a pessoa presencialmente e atentando às pequenas coisas, você já se diferencia e constrói uma relação de confiança.

O primeiro dia perfeito

(Regras para gestores)

Regra #1: nunca peça para um recém-contratado chegar às 9h no seu primeiro dia. Combine o horário de início às 11h. “Isso lhe dará a chance de chegar, tomar seu café, olhar seu e-mail e checar novamente se tudo está em ordem para a chegada do novo funcionário”, ela recomenda. “Às 11h, você poderá dedicar todo o seu tempo à pessoa nova, ajudando-a a resolver toda a papelada e apresentando-a para o time.”

Regra #2: não terceirize as boas-vindas. “É sempre melhor que o próprio gestor seja quem mostra o ambiente e faz as devidas apresentações para o novo funcionário”, alerta Carly. Dito isso, todos devem saber que a nova pessoa está começando naquele dia e devem proativamente se levantar para cumprimentá-la. Essas apresentações devem ter um propósito. Todos devem dizer algo como “Olá, meu nome é Joe. Eu trabalho com Produtos e sou responsável por tal coisa” (e não apenas um “Eu sou o Joe e sento ali”). Você vai querer entregar para seu novo funcionário todas as peças do quebra-cabeça para que ele consiga montá-lo rapidamente, além de entender sua equipe e como vai trabalhar junto dela.

Regra #3: programe um primeiro dia leve. “Pouquíssimas pessoas têm uma boa noite de sono antes de começarem um novo trabalho, portanto, respeite essa situação. Você pode ter algumas reuniões planejadas, mas lembre que uma chuva de informações está caindo sobre o novo funcionário e essa fase é difícil. Mesmo as pessoas mais confiantes estarão aprendendo uma leva de novos nomes e rostos. Alinhe a expectativa: ‘nesta primeira semana, você não deve ficar além das 17h. Seu trabalho é ser uma grande esponja e queremos que você tenha tempo para refletir e descansar antes de voltar para um novo dia.’”

Mesmo que você já tenha falado sobre longas jornadas de trabalho durante o processo de entrevista e o candidato tenha concordado com elas, ainda que você tenha dito explicitamente “nós, literalmente, nunca voltamos para casa, nós não temos vida”, não exija um número muito grande de horas de trabalho na primeira semana. “As pessoas recebem muitas informações escritas, faladas e implícitas quando começam um novo trabalho. Seja empático à essa sobrecarga de estímulos.”

Regra #4: passe a cola sobre as gírias usadas. Toda empresa tem sua própria linguagem secreta, especialmente se as pessoas estão trabalhando juntas já há algum tempo. Isso vale para piadas internas e siglas que podem ser intimidadoras e muito alienantes para alguém novo. “Quando eu liderava o RH na Readyforce, trabalhava com tantas pessoas engraçadas que tínhamos muitas brincadeiras uns com os outros. Então, parte do nosso onboarding era literalmente contar para as pessoas novas o significado dos termos que usávamos, dizendo coisas como: ‘ah, quando falamos isso, estamos querendo dizer aquilo.” Mapeie quais são os comportamentos típicos da sua empresa e aborde-os no seu onboarding. Não faça o novo funcionário se sentir um peixe fora d’água.

Melhores práticas de onboarding

“Em primeiro lugar, seja quem você disse que era durante o processo de recrutamento”, aconselha Carly. “Deixe que as próprias pessoas tomem uma decisão consciente por si mesmas. Não diga que as coisas não são tão ruins quando elas realmente são ruins. Não diga que vocês todos saem juntos no tempo livre, se vocês não saem.”

Além disso, existe uma série de passos que você pode tomar para fazer alguém que está chegando ficar ainda mais entusiasmado, animado e dedicado do que já está.

“Garanta que a mesa de trabalho tenha todas as ferramentas de que a pessoa vai precisar — e vá um passo além. Uma coisa é ter um computador esperando por você. Outra, é ter o Chrome e tudo mais o que você for precisar já instalado”, acrescenta. “Um bilhete de boas-vindas escrito à mão pelo gestor também é uma boa ideia, junto a uma pequena lembrança que traga o logo da empresa. As pessoas ficam animadas no seu primeiro dia. Elas vão querer começar a representar sua marca.”

Mais uma vez, pequenos detalhes fazem toda a diferença. “As empresas realmente boas não presenteiam apenas o novo funcionário (lembrando que o ideal é que seja um presente no tamanho certo da pessoa), mas também o parceiro ou parceira e os filhos. Se você é um gestor e não sabe se há mais alguém a ser presenteado, apenas pergunte: “Você tem mais alguém em casa?”. Talvez o pai do seu funcionário esteja superanimado com o emprego novo do filho e queira uma camiseta. Realizar esse desejo é muito atencioso, sem contar que, em perspectiva, o custo de uma camiseta é muito baixo.”

“A boa impressão que uma ótima experiência de boas-vindas proporciona não tem preço.”

“Não se esqueça: quando alguém entra para a sua organização, não é apenas a pessoa que está trabalhando nela. Especialmente se a jornada de trabalho é longa, toda a família será impactada.”

Para proporcionar ótimos inícios, você precisará planejar algumas ações. Você deve saber quem vai levar a pessoa para almoçar e como será a agenda dela ao longo de toda primeira semana. “Você precisa já ter tudo isso esquematizado, tendo, inclusive, todas as reuniões já inseridas no calendário dela”, afirma Carly. “Diga ao novo funcionário: ‘Eu quero que você assimile tudo e conheça o maior número possível de pessoas. Por isso, já agendei essas reuniões e aqui está um pequeno resumo de todas as pessoas envolvidas e por que todas essas coisas são importantes.”

Finalmente, como um gestor, esteja totalmente disponível nas primeiras semanas. “Peça ao recém-contratado que faça uma lista de questões para serem endereçadas em reuniões semanais pré-agendadas, mas se coloque sempre disponível para responder questões urgentes.” Ela recomenda abrir um Google Docs para o novo funcionários escrever as questões que tiver. Assim, os gestores conseguem saber o que está na cabeça da pessoa e quais suas impressões.

“Para fazer novos funcionários se sentirem realmente bem cuidados, você não pode pensar apenas no hoje ou no amanhã. Você deve planejar as primeiras seis semanas, antes mesmo de elas passarem. Quais as suas expectativas para o recém-contratado nos primeiros três meses? Você já deve ter isso em mente para, se for o caso, descobrir que esse não foi um bom match para a vaga nos primeiros 90 dias e não somente após 900 dias.”

Erros caros

“Muitas empresas se escondem atrás da desculpa: ‘bem, nós somos uma startup competitiva e nosso ritmo é tão acelerado que não temos tempo de instalar o Chrome ou preparar a mesa de todos os nossos funcionários novos’”, reflete Carly.

“Ações simples podem passar a ideia de que você não quer ser incomodado, de que não se preocupa com os detalhes, de que só foca no plano mais amplo ou, ainda pior, de que os novos integrantes do time não devem te perturbar com perguntas. Nesse cenário, como você acha que seus recém-contratados tratarão seu produto e seus clientes, quando eles se depararem com um bug ou algum problema?”.

“Um onboarding desleixado leva a uma cultura desleixada.”

“Se você aceitar o fato de que as pessoas estão ocupadas demais para proporcionar uma boa experiência aos novos funcionários, essa atitude perdurará toda vez que você trouxer alguém novo.”

Você diz que está ocupado demais. No final do dia, você trabalha em uma startup que quer crescer. Mas não tem desculpa, segundo Carly. “Você não está ocupado demais. Você apenas vai dedicar o seu tempo, a sua energia e o seu dinheiro integrando essa pessoa”.

“Ignorar isso vai te custar ainda mais caro quando precisar recomeçar do zero o processo de contratação. Não faça alguém sentir que você está ocupado demais para fazê-lo se sentir bem em ter escolhido trabalhar na sua empresa.”

Seu objetivo deve sempre ser fazer as pessoas acreditarem profundamente que sua empresa é tão incrível que elas não poderiam trabalhar em um outro lugar. Tomar essa atitude começa imediatamente no momento em que a carta proposta é assinada. Se você fizer tudo certo, quando o telefone tocar com um recrutador do outro lado da linha oferecendo uma grande oferta, seu funcionário responderá: “Obrigado, mas estou feliz onde estou.”

--

--

Canary
Canary

Written by Canary

Parceiro dos melhores founders na América Latina. Por aqui, compartilhamos os principais aprendizados de empreendedores(as) investidos(as) e de nossa rede.

Responses (1)