Dinâmica entre co-fundadores

Canary
9 min readSep 6, 2018

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#Q&A com Florian Hagenbuch sobre a escolha do papel de cada fundador, passando pela definição do(a) CEO até a elaboração de um contrato entre eles.

Temos mais de um fundador. Precisamos definir um CEO?

Florian: Normalmente esse assunto vem à tona em conversas com possíveis investidores, que querem entender como funciona a tomada de decisão na empresa. Isso pode forçar uma conversa desagradável, principalmente se vocês não tiverem uma relação 100% transparente e de confiança. Aqui no Canary perguntamos quem é o(a) CEO, especialmente quando o time de fundadores tem mais de 2 pessoas. Consideramos uma yellow flag quando os sócios falam que decidem tudo juntos ou que tomam as decisões importantes em comitê. Além de ser um processo nada escalável, isso mostra falta de confiança entre eles. É normal uma empresa em estágio inicial ainda não ter papéis muito bem definidos e rígidos, mas é importante que os empreendedores não tenham receio de conversar abertamente sobre o assunto, uma hora seu negócio vai precisar de alguém responsável pela tomada de decisão final e de responsabilidades claras para todos os fundadores.

Qual é o melhor momento para ter essa conversa?

Florian: Quando sua ideia deixa de ser um projeto e passa a ser uma empresa. Uma boa referência dessa passagem é quando você começa a contratar funcionários e o nível de seriedade do negócio aumenta exponencialmente. Acredito que quanto mais cedo o time de fundadores sentar para falar abertamente sobre isso, melhor para a empresa e para eles. De qualquer maneira, isso deve acontecer antes de começarem a se reunir com investidores.

E como escolher quem é o melhor para o papel de CEO, especialmente se os sócios têm backgrounds e perfis parecidos?

Florian: É comum que empreendedores sejam pessoas ‘alfa’, ou seja, que gostam de liderar e têm capacidade de lidar com risco, esse perfil normalmente vem com ego. A minha recomendação é deixar o ego de lado e olhar friamente os skill sets. O ideal é que os fundadores tenham trabalhado juntos por um tempo e conheçam o skill set de cada um. Com base nisso, ajuda muito fazer uma matriz quantitativa de prós e contras ou até perguntar opinião de pessoas próximas (amigos ou ex-colegas de trabalho). É legal ter em mente que esse papel pode mudar ao longo do tempo, de acordo com as necessidades da empresa, como aconteceu comigo e meu sócio na Printi. É muito comum no Vale do Silício, por exemplo, o(a) CEO que começa o negócio não ser o mesmo de quando a empresa já está mais madura.

Dicas:

1. Trabalhem junto por um tempo a ponto de entender o skill set de cada um (quais as competências, habilidades, o que gosta ou não de fazer, etc).

2. Transformem o projeto em empresa.

3. Com base no skill set ideal do(a) CEO e no de vocês, definam quem seria a melhor pessoa para o papel nesse momento de empresa.

4. Sejam abertos, transparentes e honestos. Expor desejos, angústias e medos é super importante para que a equação feche. Se necessário, contrate um coach para ajudar no processo (algo muito comum nos EUA também).

Qual deveria ser o papel do CEO?

Florian: O(a) CEO precisa ter uma boa capacidade de liderança e gestão. No início, o(a) CEO tem que focar em trazer pessoas melhores do que ele(a) para a posição certa e prover as ferramentas necessárias para que ela brilhe. O(a) CEO tem papel relevante externo, não só para recrutar pessoas, mas também para se relacionar com stakeholders (como fechar parcerias e levantar capital).

Tenha em mente:

Ownership: Muitos founders acham que o papel do(a) CEO está relacionado com ganho financeiro. É possível que os fundadores dividam ações da empresa de forma igual, independente do papel de cada um.

Nada é escrito em pedra: Deixar o ego de lado e pensar friamente no melhor para a empresa é essencial. O skill set ideal do(a) CEO é dinâmico e vai mudar junto com a empresa, ou seja, mantenha a cabeça aberta para essa possibilidade também.

Dark side: Ser CEO não é só glamour (estampar capa de revista e ser convidado para palestrar em eventos). O(a) CEO carrega consigo a maior parte da responsabilidade da empresa, além da expectativa de ter todas as respostas (o que quase nunca é verdade), e uma pressão (muitas vezes própria) para fazer sempre o certo. Nem todo mundo tem o skill set necessário para isso.

Como foi essa decisão na Printi?

Florian: Eu e o Mate já nos conhecíamos há alguns anos, mas no início não tivemos muitos papos sobre isso, mas era meio óbvio como iríamos nos dividir, o Mate tinha acabado de chegar no Brasil, não entendia muito do ecossistema local e estava aprendendo a língua, então foi natural que eu assumisse o papel de CEO. No nosso caso foi óbvio no começo, mas depois ficou menos óbvio e a complexidade aumentou. Fiquei uns 2 anos no papel, depois dividimos a estrutura e assumi a operação industrial da Printi, montamos uma fábrica do zero e eu era o responsável por isso enquanto o Mate fez o papel de CEO. Tudo isso foi meio que orgânico, deixamos o ego de lado e definimos o que era necessário pra empresa naquele momento. Fizemos muita coisa bem, mas também erramos muito. Estamos montando um negócio novo com um terceiro fundador e não iremos repetir os mesmos erros.

O que vocês estão fazendo diferente?

Para garantir que os três sócios estavam alinhados desde o início, sentamos todos e fizemos um exercício profundo sobre papéis, cargos, responsabilidades, missão, visão e valores e assinamos um co-founder contract. Fizemos isso na fase projeto ainda e foi ótimo para colocar todos os sócios na mesma página e evitar conversas desagradáveis mais pra frente.

Algumas dicas de perguntas com base no exercício que o Florian fez com os sócios:

Cargos e responsabilidades: qual é função do(a) CEO neste momento de empresa? Quem de nós poderia executar isso e quem não poderia? Qual o perfil de pessoa que deveríamos trazer para compor o c-level? Quais as responsabilidades de cada cargo?

Missão e visão: qual é a nossa estratégia de longo prazo? Quais milestones temos que atingir no curto prazo para nos aproximarmos dessa estratégia?

Valores: quais são os valores importantes para nós e para a empresa? O que é inegociável para cada um?

O que é um co-founder contract e por que ele é importante?

Florian: O co-founder contract é um documento que define as regras do jogo. O objetivo do exercício é alinhar os sócios sobre tudo que é relevante, a fim de evitar ruídos futuros. Colocar (literalmente) no papel é uma forma simbólica de oficializar o que foi conversado e possibilita retomar ao ponto quando necessário. No nosso caso, fizemos o documento e todos nós assinamos, recomendo para todos. O ideal é que alguém lidere a discussão (pode ser um dos sócios que se preparou para isso ou um mediador externo e neutro).

Tudo que pode gerar ruído futuro deveria ser abordado:

Cultura de trabalho: qual será a política de férias? Home-office? Qual a disponibilidade de horários de cada um? — Esse tipo de discussão é especialmente importante quando os sócios estão em momentos de vida diferentes (quando um sócio tem filho pequeno e os outros são solteiros, por exemplo, a “limitação” de disponibilidade de ficar no escritório pode gerar ruído).

Valores: o que é importante para cada um? O que é inaceitável e levaria ao desligamento de um sócio (roubo, fraude, etc)? — Sócios fundadores muitas vezes têm a falsa impressão de imunidade, o que pode ser ruim para a empresa. Esse exercício de listar o que faria um sócio ser demitido é importante para nivelar expectativas.

Porque é importante ter uma estrutura de vesting?

Florian: As principais razões de morte de startups são briga de sócios e falta de capital. São duas coisas que fazem você ter menos tempo para resolver os problemas que interessam ao business. Se não tem capital, fica sem tempo para resolver os problemas. Se brigam, perdem o foco. Por isso sempre recomendamos colocar uma estrutura de vesting dentro da companhia. O vesting permite trocar os sócios caso não estejam alinhados ao negócio. Isso é bom para a empresa, para os empreendedores e para o investidor, porque evita situações em que qualquer sócio saia da operação com sua participação acionária, virando um “peso morto” para a empresa.

Como funciona?

  • O mais comum são 4 anos de vesting e 1 ano de cliff: no primeiro ano ninguém recebe nada e após os 12 primeiros meses 1/48 das ações serão vestidas por mês, até chegar em 100%. É um pouco do conceito do ‘sweat equity’ (dinheiro do suor) — você não põe dinheiro, mas deve ‘suar’ para garantir sua participação.
  • O vesting é interpretado como uma segurança do investidor perante os founders e uma proteção entre os empreendedores.
  • Não é recomendado atrelar o vesting a metas. É praticamente impossível ser realístico e a chance de gerar frustração é grande.

Como oficializar tudo isso?

Florian: Recomendo sempre contratar um advogado especializado para tratar tanto de vesting quanto do co-founder contract. Principalmente quando a empresa deixa de ser uma ideia e se torna um projeto sério. É caro, mas é um custo necessário, um investimento no negócio.

Qual é o momento de contratar um CEO terceiro?

Florian: No começo da vida do negócio, contratar um CEO do mercado é roubada e normalmente indica que a empresa está indo mal. A alma da empresa vem muito do founder. É mais comum os founders refletirem sobre contratar um CEO quando a empresa já está madura, com centenas de funcionários e precisa de uma gestão mais “profissional”. Não tem momento certo ou errado para contratar um CEO, depende muito do perfil de cada founder. Eu acho legal empreendedor que começa e se aposenta no mesmo business, mas esse não é o meu perfil, por exemplo. Algumas pessoas me perguntavam se isso não era falta de paixão e eu sei que não, sou apaixonado pelo desafio em si, tanto é que continuo no Conselho da Printi mesmo tendo saído do dia-a-dia. Mas o negócio de ser bom também é questão de gostar do que faz e ser feliz na função. Eu já não estava mais em uma posição que gostava. Tem que pensar o que te motiva. Não adianta estar em um lugar com 3000 funcionários e não gostar, querer estar em um projeto com 3 pessoas na sua garagem. É nessa hora que contratar um CEO externo pode ser importante.

Na Printi vocês trabalharam como co-CEOs. Por que não recomenda?

Florian: É muito difícil o esquema de co-CEO funcionar. No nosso caso funcionou até certo ponto, muito porque eu e o Mate nos substituíamos perfeitamente, o que facilitava a tomada de decisão e escalava o nosso alcance. Por exemplo, em qualquer situação, se eu não podia comparecer por algum motivo, o Mate ia e era como se eu tivesse lá (e vice-versa). Isso garantia uma ótima fluidez da tomada de decisão mas só funcionava porque nós sempre fomos muito alinhados e confiamos completamente um no outro. Mas, em geral, é muito raro funcionar e é interpretado, principalmente por investidores, como insegurança na tomada de decisão.

Nossa gestão não foi também só de acertos. Erramos em não delimitar, por exemplo, o job description de cada um. Por exemplo, de quem era a responsabilidade de organizar a reunião com o time toda segunda de manhã ou quem ficaria responsável por enviar o report mensal aos investidores. Essas coisas operacionais acabavam ficando no ar, sem um dono. Uma consequência é que acabamos dividindo o time em dois. Parte reportava a mim e parte ao Mate. As pessoas não se comunicavam, ficavam perdidas e isso gerava ruído. É uma coisa que eu tentaria evitar em uma situação de co-CEO, mas, de forma geral, tentaria evitar ter co-CEO. Na nossa nova empresa teremos novamente a estrutura de co-CEO, mas aprendemos e cada um terá funções bem definidas. Nos dividimos de uma forma que a tomada de decisão seja mais fluida e o time não sofra. E também deixamos claro já nosso comprometimento no Conselho da Printi e no Canary.

Sobre a experiência de co-CEOs:

- Acertos: conseguimos nos substituir perfeitamente em toda e qualquer situação. O que dá uma fluidez muito rápida para o negócios. Podíamos tomar decisões facilmente.

- Erros: não tínhamos escopo e funções super definidas. Dividimos a estrutura, o que gerava ruído com o time.

Florian Hagenbuch é alemão mas cresceu no Brasil. Fez faculdade em Wharton e decidiu voltar para empreender por aqui com Mate Pencz, seu amigo europeu de longa data. Ambos fundaram a Printi, um marketplace de serviços de impressão, são sócios fundadores do Canary e agora estão tirando a segunda startup do papel. Com o objetivo de explorar um pouco da experiência do Florian e traduzí-la em insights práticos para quem está começando, faremos um Q&A periódico com ele.

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