Investindo em políticas de inclusão: com Maitê Lourenço (BlackRocks), Guilherme Ribeiro (Loggi) e Ricardo Rodrigues (Social Miner)

Canary
12 min readJun 22, 2020

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Da esquerda para a direita: Ricardo Rodrigues (Social Miner), Guilherme Ribeiro (Loggi) e Maitê Lourenço (BlackRocks)

Imagine a cena: um time se reúne na sala de reunião (provavelmente do Zoom, em tempos de pandemia) para discutir um problema que a empresa vem enfrentando, cuja resolução está longe de ser óbvia. Alguém lança uma potencial solução, só para dar início à conversa e, depois de alguns segundos de desconfortável silêncio, todos imediatamente balançam a cabeça em concordância. Não há divergências e o assunto é dado como encerrado em um tempo menor do que, talvez, seu debate exigiria. Para quem é totalmente avesso a conflitos, esse parece um ótimo desenrolar para a história. Mas uma possível verdade inconveniente que um cenário assim parece retratar é a de que falta diversidade de opiniões à mesa (ou à call). Uma segunda verdade inconveniente: uma troca rasa entre colaboradores e líderes reduz as chances de incentivo e cultivo daquela palavra cujo significado deveria fazer parte da definição de boas startups: inovação (de produto, de construções de time, de posicionamento de PR, de vendas etc).

A gestão horizontal é prática que ganha espaço continuamente entre novas empresas (e até outras com mais tempo de vida), justamente por esse motivo: bons founders e C-Levels querem saber o que pensa o estagiário, o analista, o recém-contratado. Mas quando a maior parte da equipe de uma startup em fase mais avançada vem de um background similar-ish, é capaz que gestores ouçam coisas muito parecidas, o tempo todo. Se tornar mais do mesmo é um outcome provável para empresas que sofrem de falta de variedade em perspectivas.

O autor da frase é Ricardo Rodrigues, co-fundador e CEO da Social Miner, startup que ajuda sites a melhorarem performance, por meio de inteligência artificial, big data e humanização da comunicação. Ele mediou um Canary Talks sobre Diversidade, realizado em julho de 2019, que contou com a participação de Guilherme Ribeiro, coordenador de Employer Branding da Loggi, e Maitê Lourenço, founder e CEO da aceleradora para startups criadas pela população negra BlackRocks.

“Para começar esse papo, achei que deveríamos ter representatividade [entre os speakers]”, diz Ricardo. “Então, tinha de ter uma mulher, seria ótimo se houvesse negros, tinha de ter um gay ”, contou. “Há cinco anos, talvez eu achasse mais difícil estar falando sobre o assunto abertamente. Hoje, acho legal a gente ter fundos nos quais possamos abordar o tema. É uma questão estratégica também para venture capital, sobre a geração de novos empreendedores que virão e farão diferença.”

(Nota da editora: O objetivo deste texto não é depor contra qualquer prática, nem mesmo colocar o peso de um julgamento sobre os ombros de empreendedores, líderes de RH ou qualquer profissional. O que você tem aqui é um retrato do que ouvimos em uma conversa muito rica, que se desenrolou a partir de uma premissa: para além de uma essencial questão de direitos civis, há depoimentos, dados e estudos sobre como políticas de diversidade podem ser benéficas para o negócio — inovação é só um dos pontos.)

Importante ressaltar: cada um(a) tem uma história única nesse mundo e carrega o peso das dificuldades que enfrentou e as glórias dos méritos que conquistou. Mas não tem como ignorar o fato de que vivemos em um país e mundo desiguais. O que nos leva ao próximo tema:

Para começar, contexto

Inclusão é um assunto inexorável à justiça social. Quando falamos sobre a entrada e crescimento de pretos(as) e pardos(as), por exemplo, no mercado de trabalho do Brasil, os dados são preocupantes. Apesar de representarem cerca de 55% da população, ocupam apenas 29,9% dos cargos gerenciais. Em 2018, o percentual de negros(as) e pardos(as) que declararam estar em posições informais era de 47,3% (dados do IBGE).

As mulheres, que representam 51,4% da população brasileira, também vivem em condição de desigualdade. O estudo Estatísticas de Gênero, também do IBGE, indica que, mesmo com maior escolarização no geral, elas recebem em média 76,5% do rendimento de homens (ou seja, para cada R$ 1 que um homem ganha, elas fazem R$ 0,76). Para mulheres pretas ou pardas, estamos falando de 44,4% (menos da metade!) da remuneração de homens brancos. Considere ainda a disparidade com a qual os afazeres domésticos são tratados em grande parte dos lares e também as mães que cuidam de seus filhos sozinhas para ganhar um senso de quantas mulheres acumulam segundos turnos de trabalho ao chegar em casa.

Nesse sentido, a necessidade de uma correção histórica deve ser encarada com urgência. E a mudança precisa começar por algum lugar: por que não agora? Não que seja fácil implementá-la. Entra naquela ampla categoria de coisas que são muito mais fáceis de falar do que fazer. Não há muita brecha para o “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. É preciso arregaçar as mangas e fazer.

Muito mais do que surfar a onda de uma campanha Trending Topic no Twitter, investir em inclusão de forma consciente e estratégica traz resultados. Uma porção de estudos conduzidos sobre o assunto leva a essa mesma conclusão. Pesquisas da consultoria McKinsey & Company, por exemplo, apontam uma clara relação entre diversidade étnica e de gênero e o aumento da lucratividade de organizações. Em 2017, empresas com maior diversidade de gênero em suas equipes executivas foram 21% mais propensas a registrarem ganhos acima da média. Com relação à etnia, o mesmo indicador bateu os 33%.

Inclusão real e oficial

Guilherme Ribeiro, coordenador de Employer Branding na Loggi, não precisou convencer os executivos C-Level da empresa de que era importante falar sobre diversidade. Era o segundo semestre de 2018 e todos já estavam “comprados” na ideia — e, para falar a verdade, nada de muito novo havia nela entre as equipes: diversidade já era tema abordado sem tabu pelos 700 funcionários à época.

O que Guilherme e o time à frente do projeto precisaram fazer foi explicar por que, naquele momento, era importante a empresa ter um posicionamento na grande discussão que é diversidade hoje. Não bastava uma empresa ser diversa, era preciso ter um programa concreto e oficializado voltado para promover inclusão. Após seis meses de desenvolvimento, com perspectivas vindas dos colaboradores e de consultores externos, o projeto Você importa foi lançado.

Para a liderança da Loggi, incluir pessoas com características / backgrounds / visões /realidades de mundo diversas é tão estratégico para a inovação quanto a famosa política de squads (times multidisciplinares voltados para a solução de um problema comum), adotada pela startup.

Vale lembrar o significado da palavra (às vezes, quando muito usados, termos têm seus significados esquecidos ou alterados segundo as intenções de argumentação do emissor):

inovação
substantivo feminino

  1. ação ou efeito de inovar
  2. aquilo que é novo, coisa nova, novidade

Maitê volta a abordar como, apesar de bons exemplos como o da Loggi, ainda é difícil o ingresso de grupos diversos em papéis de liderança de startups e grandes corporações. Há uma barreira simbólica, para começo de conversa, erguida ao longo de anos de construções de opiniões preconceituosas a respeito de “quem pertence a tal lugar.”

Há barreiras físicas também. Morando no Brasil, não é possível que elas nos sejam invisíveis aos olhos: qual é a distância habitacional de pretos(as) e pardos(as) dos grandes centros urbanos?

Trazer essas pessoas para perto é gerar uma oportunidade de fazê-las alcançar diferentes lugares e agregá-las ao negócio, tanto em geração de ideias, sugestões e melhorias de produtos e serviços, como no consumo e na criação de novas empresas.

Atraindo novos talentos e consumidores

Políticas de inclusão e diversidade aumentam a capacidade de atração de novos talentos e o engajamento dos colaboradores que já estão na empresa. Basicamente, porque todos trabalham melhor e são mais felizes quando se sentem livres para serem… quem verdadeiramente são fora do ambiente do escritório.

Um exemplo é o do Guilherme, da Loggi. É valor inegociável em sua carreira. “Não vou deixar a Loggi por outra empresa que não tenha uma política de diversidade oficializada, concreta e ativa. As pessoas estão olhando para isso, tanto dentro — em engajamento, no bem-estar e valorização dos profissionais — quanto fora. As pessoas querem empresas que deem a elas liberdade [de serem quem são]”.

Outro ponto, destacado pelo Ricardo, é o de que, atualmente, a cultura de inclusão faz uma baita diferença na hora de conquistar parcerias, com fornecedores, colaboradores e potenciais clientes, sejam B2B ou consumidores finais. Para ele, cada vez mais empresas de diferentes segmentos apostam em diversidade e fazem campanhas para divulgar o assunto porque percebem os benefícios. Mais uma vez, é um investimento, também, estratégico.

Maitê destaca que a população negra movimenta R$ 1,5 trilhão ao ano, apesar de brancos terem renda 74% superior. Pense em como dar mais visibilidade, participação e inclusão a esse público pode aumentar — e muito — o potencial de consumo de sua startup….?

Representatividade é começo, não fim

Retomando: o contexto histórico de exclusão da população negra no Brasil se traduz tanto na geografia das cidades, como também no acesso a espaços. Questões que valem a pena ser consideradas: como é o tratamento dado a um(a) negro(a) na portaria de um edifício comercial em uma zona nobre de São Paulo?

“Existe o contexto simbólico de eu me ver acessando alguma coisa. Se eu não me vejo acessando alguns lugares, obviamente, já entendo que não é lugar para mim”, diz Maitê. “Por isso, prezar por representatividade dentro das instituições é importante.”

Mas não é o suficiente. É preciso lutar também por proporcionalidade.

Muitas vezes, os profissionais que são representantes de um gênero, etnia ou minoria, se veem sobrecarregados. A eles, não é exigido somente o cumprimento de suas metas e funções no trabalho, mas também fazer militância, ajudar em treinamentos e estimular reflexões para o restante da empresa. Contratar alguém de um grupo “excluído” não o torna um “troféu” ou “exemplo”, diz Maitê. A não ser que a pessoa efetivamente queira, não cabe a ela ser ativista na empresa.

A Loggi está atenta a isso. Na empresa, 71% dos funcionários são brancos(as), e 29%, pardos(as) e negros(as). Para Guilherme, em comparação às outras empresas de tecnologia, o dado é satisfatório, mas quando se pensa em Brasil, ainda há uma longa estrada a ser percorrida. “Nós temos um planejamento mensal de contratação. Priorizamos mulheres e pessoas pardas e negras para a área de tecnologia, por exemplo”, diz. “Temos plena consciência de que não conseguiremos trazer tantas pessoas plenas e seniores que cumpram esses requesitos, por isso, queremos focar em treiná-las para que, à frente, consigam ocupar esses cargos.” Não é uma tarefa simples, o que nos leva ao próximo ponto: incluir dá trabalho. E é hora de colocar a mão na massa.

Os primeiros degraus da escada

Diversidade é diferente de inclusão. Existem empresas que podem se declarar diversas ou pró-diversidade, mas não incluem pessoas que são parte de grupos diversos, efetivamente. Por exemplo, não possuem em seu pipeline de recrutamento para cargos de liderança mulheres, negros(as), pardos(as), LGBTs e representantes de outras "minorias". Outro: não fecham parcerias com mulheres, negros(as), pardos(as), LGBTs e representantes de outras “minorias”. Mais um: não criam um espaço de trabalho à prova de comentários preconceituosos e recompensam desigualmente mulheres, negros(as), pardos(as), LGBTs e representantes de outras “minorias”. Lembrando que a omissão, mesmo com o gentil objetivo de evitar mais discussões, normaliza a questão. Fica a pergunta: o que você quer normalizar em sua empresa?

A questão acima é para introduzir um tópico importante : incluir é bem mais trabalhoso do que apenas contratar.

Dois pontos precisam ser considerados para começar a formatar uma política de inclusão:

1) a educação dos colaboradores e líderes no que se refere à cultura de inclusão da empresa

2) a formação e o desenvolvimento de novos profissionais leva tempo. É preciso investir em treinamento, mirando o futuro

Na Loggi, Guilherme conta que, antes de implementar o projeto Você importa, houve todo um cuidado para educar e tirar dúvidas dos colaboradores sobre a cultura da empresa. Uma das iniciativas foi a criação um planejamento efetivo para contratar pessoas mais diversas. Outro, foi conduzir entrevistas falando à respeito dessa cultura ao final dos processos seletivos. A proposta é escolher candidatos com conhecimentos técnicos, mas que, sobretudo, estejam bem alinhados com os pilares da empresa — sendo diversidade um deles.

Líderes precisam estar cientes da necessidade de dividir ferramentas e conhecimentos para desenvolver as pessoas.

Para Maitê, vivemos um momento de formação da talentos. “É preciso desenvolver esses profissionais para que, daqui a algum tempo, tenhamos cargos de liderança que são parte desses grupos”, afirma.

Contratando e promovendo mulheres

Não é novidade no recrutamento de empresas que boa parte das mulheres não se sente confortável ao negociar salários e benefícios de potenciais cargos, além de hesitarem na hora pedir promoções. Há pesquisas sobre o tema e também o dado que citamos acima, a respeito do quanto sua remuneração pode ser menor para posições iguais, ocupadas por homens.

A Loggi testa uma maneira para reverter esse quadro, que pode ser válida considerar e, talvez, adaptar. Com a ajuda de uma consultoria externa, conduziu uma revisão de salários para garantir que, independente do gênero, posições na empresa fossem remuneradas de forma equilibrada.

A questão também passa por empoderar as mulheres no ambiente de trabalho, para que elas sintam-se livres para discutir o assunto sem tabu — esse, um ponto-chave elencado por Ricardo. “Um líder que está aberto a escutar, provavelmente terá mais feedbacks e insights valiosos que farão bem à empresa”, diz.

Fun (and super cool) fact: na Social Miner, as mulheres criaram um grupo entre elas, batizado de Social Minas, para conversarem sobre assuntos diversos. Por exemplo, certo dia, marcaram uma reunião com os quatro líderes da empresa, todos homens, para perguntar: “o que falta para termos mulheres na liderança?”. Essa abertura, segundo o Ricardo, é fundamental, até mesmo para repensar o business e ser mais proativo nesse sentido.

Para não cair em uma cilada

Se você não acredita que inclusão é importante, então, o melhor é não fazer. Ricardo enfatiza o quanto não compensa contratar uma pessoa apenas para dizer que há representatividade numa startup. O assunto se torna mais problemático quando o time não está pronto para receber essa representatividade — talvez exista uma questão de cultura que valha a pena avaliar? Acontece que um possível resultado da decisão é que esse(as) colaborador(a) se sinta excluído(a) e eventualmente saia, com a impressão de que aquele é um péssimo local para trabalhar.

Além disso, é preciso encarar o tema com muita empatia — e certa estratégia. Não dá para designar a pessoas muito juniores um projeto difícil e de curto prazo, por exemplo, quando essa pessoa ainda não acumulou os conhecimentos suficientes (sobre a empresa, sobre a tarefa, sobre o propósito do business) ou não conta com alguém por perto para treiná-la. “Isso tem de estar mapeado. É preciso considerar com consciência o momento no qual a empresa decide implementar políticas de diversidade verdadeiras”, diz Ricardo.

“É frustrante querer fazer inclusão, não ter dinheiro para isso e nem alinhamento entre os times e ver a iniciativa dar errado. Mas que fique claro: essa é uma empatia que a gente desenvolve, inevitavelmente, para sermos ativos nessa questão”.

A empatia ajuda — e dados também. “A diversidade vai refletir nas métricas com as quais você se importa. Se você se importa com cultura, há chances grandes de ver um time mais engajado, se você se importa com receita, talvez leve mais tempo e seja mais complexo ver retornos, se seu foco for atração de talentos, talvez seja uma excelente estratégia”, explica Ricardo.

Maitê reforça: não basta “a ação pela ação”. Ela faz uma provocação: “quando se fala em justificar a existência de um grupo, é preciso ter todo um condicionamento para fazê-lo. A gente não faz isso com homens brancos. A gente faz isso com populações minorizadas”.

No final, é tudo uma questão do tipo de empresa que você quer construir.

Quer pensar mais?

Essa conversa não só é necessária, como também rende — e muito. Este Canary Talks, por exemplo, durou duas horas e teria ido mais longe se nossos speakers não tivessem um hard stop. A boa notícia é que há cada vez mais conteúdo sobre o assunto. E informação nunca é demais. Pensando nisso, separamos alguns poucos links que podem ser úteis para quem deseja se aprofundar e refletir sobre inclusão no ambiente de trabalho:

- Diversidade e performance financeira

A pesquisa da consultoria McKinsey & Company destaca a correlação entre diversidade e lucratividade.

- Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas

Estudo do Instituto Ethos, em cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, visa a retratar o quadro de colaboradores de grandes corporações, e faz um comparativo quanto a sexo, cor ou raça, faixa etária, escolaridade e presença de pessoas com deficiência.

- Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil

Informativo do IBGE destaca a desigualdade entre brancos(as) e negros(as) ou pardos(as), no que se refere a mercado de trabalho, distribuição de rendimento e condições de moradia, e educação. Há também indicadores sobre violência e representação política.

- A Diversidade e Inclusão nas Organizações no Brasil

Pesquisa da Aberje traça um panorama de como empresas brasileiras têm se estruturado e implementado programas com foco em diversidade e inclusão.

- Cinco estratégias para criar um local de trabalho inclusivo

Artigo do Harvard Business Review, em inglês, traz sugestões práticas para empresas se tornarem mais inclusivas. É preciso se cadastrar para acessar o conteúdo.

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