Kestraa: de olho em um mercado grande, estratégico e com pouca inovação

Canary
6 min readDec 3, 2020

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Um papo com Isabel Nasser, cofundadora da startup

Ainda que movimente bilhões de dólares a cada ano no Brasil — as importações somaram US$ 177,34 bi em 2019 e as exportações, US$ 224,01 bi — o comércio exterior ainda é feito de forma arcaica e analógica no País. Os trâmites são complexos: o número de parceiros envolvidos em uma importação ou exportação varia de 10 a 15 e, em geral, os dados ficam dispersos em uma variedade de sistemas, planilhas de Excel e e-mails

Foi o contato com essa dor que motivou Isabel Nasser e Marcelo Matos a fundarem a Kestraa, em 2017. Os dois trabalhavam na Sertrading, uma das maiores tradings do Brasil, e, com contas de grandes clientes, perceberam que faltava uma tecnologia que integrasse todos os participantes das transações. Na falta de uma opção no mercado, arregaçaram as mangas…

Hoje, a Kestraa permite que as empresas compartilhem informações de um jeito eficiente sobre todos os eventos da cadeia — da colocação do pedido de compra até sua entrega no destino final, com alertas sobre potenciais atrasos ou licenças deferidas. Pioneira em um mercado bem específico, a startup já conquistou clientes como Leroy Merlin e Ambev.

Identificar um gap gigante e atacá-lo é o caminho para muitos founders. Para Isabel, o interesse pelo comércio exterior veio cedo. Ainda na universidade, quando estudava administração na USP e Relações Internacionais na PUC, resolveu estagiar em uma trading. Assim passou 20 anos em algumas das maiores companhias do segmento no País até resolver lançar-se como empreendedora. Em uma conversa com o Canary, ela dividiu seus aprendizados e desafios até aqui.

P: Por que você decidiu fundar a Kestraa?

O Marcelo (co-founder e co-ceo Kestraa) e eu trabalhávamos juntos há mais de 15 anos. Trabalhamos em uma das maiores tradings brasileiras, a Sertrading. Foi uma grande escola! Lá, eu passei por vários desafios e nos meus últimos anos como executiva, eu ocupava a posição de diretora operacional. Eu era responsável por gerenciar uma carteira enorme de operações de importação e exportação de grandes clientes. O Marcelo era o CIO da empresa desde sua fundação, cuidava de toda a estratégia de tecnologia para que a gente pudesse tocar uma operação tão volumosa.

Juntos, pensávamos em soluções para otimizar e controlar os processos. No build or buy, a gente queria comprar, mas não achávamos nada que nos atendesse. Fomos a mercado pelo menos umas 3 vezes comprar tecnologia nesses 15 anos, e voltamos todas as vezes para dentro de casa e desenvolvemos internamente as ferramentas que precisávamos. As soluções do mercado eram pesadas, caras, mas principalmente, não endereçavam os nossos problemas. Além disso, nossos clientes sempre nos questionavam se a gente não pensava em desenvolver um software para comex, já que o deles não ajudava (às vezes atrapalhava bastante, inclusive). Ficou claro que o mercado tinha um gap — enorme — e que a gente conhecia bem esse problema.

P: A Kestraa atua em um setor muito específico, mas de enorme importância estratégica para o Brasil. Como você avalia essa questão?

Pouca gente conhece de verdade o que é fazer comércio exterior. Existe um gap entre o glamour dos acordos e relações internacionais, e o dia a dia de importar e exportar, que é super sofrido e arcaico. O setor tem uma importância enorme não apenas para o Brasil, como para praticamente todos os países. O mundo “trada” todo ano aproximadamente US$ 25 trilhões. Para alguns países, a balança comercial representa percentuais superiores a 50% do PIB.

No caso do Brasil, a balança é grande, mas pode crescer muito. A Receita Federal tem uma agenda importante, em andamento, de modernização das práticas aduaneiras brasileiras. Esse programa é vital para o aumento da abertura do país aos negócios internacionais. Se importar e exportar for mais fácil, quantas empresas entrarão nesse jogo? Hoje já são mais de 47 mil importadores e 28 mil exportadores no Brasil. E esse número deve crescer! Para a Kestraa, é uma oportunidade enorme: mercado grande, estratégico, com pouca inovação.

P: A plataforma da Kestraa é bem tecnológica e vocês estão frequentemente trabalhando em novos features para o produto. Como encontrar um equilíbrio e, ao mesmo tempo, inovar e manter a operação girando?

É um desafio, mas ambos os pontos são fundamentais e a empresa precisa estar estruturada para isso. Nosso produto ainda é jovem e, como nosso mercado é realmente enorme, são diversas oportunidades de produto que vemos pela frente. Precisa ter foco e dimensionar bem quais oportunidades são as melhores, em quais produtos e funcionalidades vamos trabalhar. Paralelamente, investimos em ganhar inteligência na operação. Os processos precisam ser construídos, medidos, aperfeiçoados e automatizados. É um caminho a ser perseguido.

P: Quais são seus principais aprendizados no que se refere a vendas B2B?

O processo de venda B2B evoluiu demais, é muito diferente do processo que víamos no passado recente. Principalmente no nosso caso (SaaS, escala, plataforma), é um processo de engenharia mesmo. Entender o perfil de cliente, o problema, construir o funil, gerar leads, indicadores, corrigir rota. Precisa ser um processo certeiro, em constante aprimoramento. Esse novo processo implica em trazer pessoas para a área comercial com um perfil bem diferente daquele “vendedor tradicional”, que trabalhava quase solo trazendo contratos para a empresa. Hoje a venda é um trabalho de equipe, com papéis claramente definidos. Cada um faz a sua parte e os indicadores apresentam onde estão os problemas no processo. A proposta de valor precisa estar claríssima e a empresa precisa conhecer o processo de compra dos clientes. A própria liderança na área de vendas também mudou. Hoje os líderes comerciais precisam garantir que a equipe esteja bem montada e o processo bem construído.

P: Quais são os desafios que tem encontrado até aqui à frente da Kestraa?

Bom, vou ter que mencionar alguns clichês, mas não deixa de ser verdade. O grande desafio é montar o time. Times de sucesso precisam de entrosamento, precisam de ajustes, inclusive de algumas tentativas e erros. Precisam de tempo! Esse é um desafio grande, e tanto o Marcelo como eu dedicamos boa parte do nosso tempo, provavelmente a maior parte dele, ao time. Seja buscando novas pessoas, seja cuidando do time atual. Esse não é um caminho só de acertos, já erramos e o preço é sempre alto. Hoje temos na Kestraa um time engajado, entrosado, com pessoas com diferentes backgrounds. Ainda temos muita estrada pela frente, mas tenho muito orgulho do time que nos trouxe até aqui.

E bom, outro desafio enorme é o change management que propomos para o setor. O comércio exterior é uma área que ficou parada no tempo. Poucas inovações e os processos são repetidos há décadas. A Kestraa olha para como vamos fazer comex daqui para frente, e não como fizemos até hoje. Isso pressupõe mudar o dia a dia de como as empresas trabalham, e claro, é um desafio enorme. Estar próximo dos clientes é fundamental! Tentando sair do discurso pronto, é na interação com os clientes que vai se fazendo possível esse processo de mudança.

P: Que conselhos daria para outros founders?

Time e cultura! Construir o time certo é premissa para todo o resto e é papel do founder / CEO. Parece óbvio, mas o dia a dia traz problemas e às vezes a gente se distancia desse trabalho. Aquela frase famosa: a cultura comeu a estratégia no café da manhã. Portanto, ou a cultura está viva e alinhada com os objetivos da empresa, ou ……. Outro bom conselho é focar na execução. A ideia precisa ser ótima, mas o desafio é pôr de pé.

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Written by Canary

Parceiro dos melhores founders na América Latina. Por aqui, compartilhamos os principais aprendizados de empreendedores(as) investidos(as) e de nossa rede.

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