por Marcos Toledo Leite, managing partner e cofounder do Canary
Só dá certo se o ciclo se fecha. Desde que começamos nossa firma de investimentos, tínhamos uma premissa básica: o mercado de tecnologia e inovação, por meio de um ecossistema empreendedor, ia maturar. Era uma afirmação nada óbvia ainda em 2015, quando começamos a pensar sobre o Canary. O Brasil não tinha nenhuma startup avaliada nem perto de US$ 1 bilhão. Tínhamos poucos (desbravadores!) fundos de venture capital, alguns anjos em atividade e poucas histórias de sucesso.
Para nós, o mercado estava se transformando rapidamente. Víamos que grandes empresas seriam criadas ao longo da década e havia uma oportunidade enorme para se criar uma firma de investimentos focada em inovação na América Latina. Mas como tangibilizar isso?
Uma forma era observar o ciclo: pessoas criando novos negócios, capazes de atrair times e capital. Com base nesse tripé, valor seria gerado para todos os envolvidos e o ciclo se repetiria, com founders recomeçando sua jornada empreendedora ou investindo em novos negócios.
Antes de avançarmos, pode ser bom analisar cada parte desse ciclo:
“Pessoas criando…”
Por muito tempo no Brasil, grande parte dos melhores talentos não escolhiam criar suas próprias empresas. “Normal” era seguir uma carreira em uma empresa consolidada, como uma multinacional, uma consultoria ou um banco de investimentos, com menos risco. E isso tem mudado, em um movimento bastante importante: novos produtos e serviços criam valor para a sociedade quando pessoas talentosas decidem tomar o risco de inovar.
“…novos negócios”
O Brasil ainda tem muito “mato alto”, com setores relevantes da economia operando de forma antiga. É algo que vai além da tecnologia. Hoje, é possível e há espaço para criar algo novo repensando modelos de negócios, cadeias de valor, alinhando incentivos, eliminando intermediários, aumentando eficiência e colocando o consumidor no centro. Antes de pensarmos em fazer foguetes, ainda precisamos ajudar pessoas com tarefas (que parecem) simples, como comprar online. Só parecem simples: ter acesso a meios de pagamento, crédito e uma logística eficiente são problemas grandes para que o e-commerce se torne acessível e útil a boa parte dos brasileiros. Outro exemplo: no setor de saúde, repensar incentivos na cadeia de valor e eliminar intermediários têm o potencial de criar valor e dar acesso para muito mais pessoas a uma nova geração de planos de saúde. Essa lógica vale para diversos outros setores, como educação, energia, segurança, seguros, finanças…
“capazes de atrair times…”
Nenhuma grande empresa se constrói apenas com founders. É preciso um time muito qualificado. Nos últimos cinco anos, temos visto um movimento sem precedentes de startups atraírem capital intelectual de nível muito alto para seus projetos. Há times de qualidade bastante elevada sendo criados, com pessoas com carreiras estabelecidas “largando tudo” para se juntarem a um novo negócio. Há fatores para esse movimento, como exemplos de sucesso e a busca por carreiras com propósito e impacto positivo no Brasil.
Além disso, modelos como planos de stock options conseguem tangibilizar o valor do equity das empresas para os colaboradores. É algo que contribui muito para que pessoas muito boas vejam uma carreira possível nas startups. Pelas nossas estimativas, há pelo menos mil pessoas no Brasil que trabalham em novas empresas de tecnologia e têm opções valendo no mínimo R$ 1 milhão. E esse número cresce exponencialmente. Sem falar nos primeiros IPOs de startups, com empresas como Méliuz e Enjoei chegando à Bolsa. Ninguém mais tem vergonha de dizer no Natal que trabalha numa startup.
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“…e capital”
Não preciso repetir o que muitas notícias já mostraram: o valor disponível e investido em venture capital em toda a América Latina tem crescido de forma exponencial nos últimos anos (apesar de ainda estarmos apenas no começo). O ambiente macroeconômico (juros baixos e busca por retorno) ajuda, claro. Mas, para mim, o grande resumo desse movimento é que vivemos um momento único para empreender no Brasil, com mato alto e acesso a capital intelectual e financeiro. O que nos leva a…
“Com base nesse tripé, valor é gerado para todos os envolvidos…”
Os novos negócios não geram valor apenas para seus fundadores: eles também mudam a sociedade, com mais concorrência e inovação. Por que será que os grandes bancos baixaram tarifas e ficaram mais digitais? E por que os grandes grupos econômicos têm sido mais amigáveis com clientes e colaboradores? São efeitos positivos das startups, bem como os novos produtos e serviços — melhores, mais baratos e mais acessíveis. Investidores, por sua vez, conseguem multiplicar seu capital.
“E o ciclo se repete… ”
E, pela natureza colaborativa desse ciclo, empreendedores e empreendedoras não só geram riqueza para si, mas também decidem retornar parte dela ao ecossistema. Para mim, é esse retorno uma das coisas que mais me incentivou a embarcar nesse projeto todo. Sinto uma satisfação enorme quando pessoas que estão nessa fase, como Mariana Dias e Bruna Guimarães, da Gupy, Matheus Goyas, da Trybe, Daniel Wjuniski e Marcia Netto, da Sallve, Igor Mascarenhas, da Pier, Mauricio Feldman, da Volanty, Marcelo Sampaio, da Hashdex, Marcelo Abritta, da Buser, Gui Azevedo e André Florence, da Alice, Pedro Jahara, da Lexter, entre muitos outros, nos abordam pedindo para co-investir conosco em novos times.
Note o quão relevante é isso: uma nova geração de empreendedores e investidores está sendo criada a partir do fruto da riqueza gerada por startups mais maduras, com experiência e expertise. Ou seja, essas pessoas querem contribuir para a continuidade do ecossistema, com capital e conhecimento. É assim que o ciclo se fecha, em um movimento muito relevante para o país. E está se fechando.
Não é só sobre dinheiro, é sobre atitude: fomos educados a achar, por muito tempo, que riqueza muitas vezes só era gerada no Brasil por cartas marcadas, para poucos ou, pior, por esquemas ilícitos. E, se ela surgisse de forma legítima, correta, empreendedores de sucesso iriam abandonar o Brasil após colocar seu dinheiro no bolso. O que vemos hoje é o exato oposto disso. Essa nova geração de empreendedores está operando suas empresas e buscando ajudar outros que estão começando. Isso para não falar dos “second time founders”: empreendedores que já deram certo e decidem criar algo novamente. Ou seja: a pessoa fez, deu certo e quer fazer de novo. Aqui! No nosso país!
Otimismo ingênuo? Pode ser. Mas ele também estava conosco quando decidimos criar uma firma de venture capital num país emergente com juros altos e muito ceticismo sobre a qualidade de empreendedores e seus times. Fizemos mais de 600 reuniões para levantar nosso primeiro fundo (MUITO obrigado aos nossos investidores que nos apoiaram!). Obviamente, vivemos um momento terrível global e o objetivo aqui não é comemorar. Além disso, é muito importante separar o joio do trigo: no nosso dia a dia, aprendemos continuamente a buscar eliminar o “barulho” ou a “espuma” da inovação e identificar as grandes ondas. E uma dessas tendências, na nossa opinião, é que o ciclo está se fechando — e começando de novo. E vai ser um ciclo muito virtuoso.
Artigo originalmente publicado no LinkedIn, em 3 de março de 2021.