por Filipe Portugal, partner do Canary
Todos os dias, milhões e milhões de dólares são investidos em startups. O movimento, que mostra o crescimento e a importância de empresas de tecnologia e da indústria de venture capital, ainda chama bastante a atenção de quem não está próximo desse mercado. Você provavelmente já ouviu uma dessas frases antes:
- “Afinal, como assim essas companhias que ainda têm poucos funcionários e mal geram receita, quem dirá lucro, podem chamar tanta atenção de quem está escrevendo os cheques?”
- “Por que foi o banco digital do cartão roxo que levantou tanto dinheiro? O do cartão amarelo é tão bacana!”
- “Nossa, mas tá todo mundo numa crise, como é que esses caras conseguiram dinheiro?”
São perguntas que passam na cabeça de muita gente — e passavam pela minha também quando eu ainda não havia descoberto o universo de venture capital. Hoje, construir as respostas que dão sentido a essas indagações não é só o meu dia a dia no Canary, mas também minha responsabilidade com investidores e investidoras que acreditam no nosso trabalho como firma.
Uma maneira simples de explicar os investimentos em startups é a de dizer que eles não são baseados em uma fotografia dessas empresas no agora mas, sim, na visão que os fundadores e fundadoras delas têm para o longo prazo. Isso acontece em diferentes tipos de investimentos, claro. A diferença é que muitos apostam em uma valorização simples; já o venture capital está de olho em um potencial de crescimento gigantesco em poucos anos, em que uma empresa pode resolver um problema enorme com ajuda de uma solução escalável. Na ampla maioria dos casos, isso envolve tecnologia, até porque é difícil crescer em larga escala sem ela (mas não impossível!). Como se pode perceber, não são todos os negócios que se enquadram nesse paradigma — e entender como alguns podem se encaixar nesse modelo, a ponto de retornar o investimento esperado em menos de dez anos, é uma tarefa complexa.
Em um país como o Brasil, em que a indústria de venture capital está em seus primeiros dias e muitas startups ainda não completaram nem esses dez anos, é uma missão ainda mais complexa. A dificuldade aumenta ainda ao se pensar na estratégia de um fundo como o Canary, cujo mandato é o de investir em empresas em estágio inicial, muitas vezes até pré-operacionais. Há razões pelas quais esse espaço foi escolhido: na época em que a firma surgiu, havia uma grande lacuna de capital nesse estágio da jornada das startups. E essa lacuna acontecia em um período crítico para as empresas: enquanto elas tentam provar que sua ideia cabe no mercado, há muitas incertezas, muitas dúvidas, muitos testes. A presença de um parceiro que entenda esse momento é muito importante para ajudar os empreendedores e empreendedoras. E nós acreditamos que podemos ajudar muito, construindo bases sólidas que permitam a construção de negócios verdadeiramente grandes.
Então, como investir? Um primeiro passo — como muita gente pensa — é que um grande negócio parte de uma ideia. Isso é verdade em vários casos. Mas investir apenas em uma grande ideia pode ser o primeiro passo para um investimento dar errado. Primeiro, porque uma ideia é uma commodity. Se eu e você, leitor, passarmos algum tempo debruçados sobre um mercado, poderemos ter várias ideias legais. E tem muita gente hoje tendo ideias: todo mês, olhamos uma média de 300 empresas. Deste grupo, marcamos conversas com cerca de 100 delas — para, no final do mês, chegarmos a uma média de 2 investimentos.
Segundo, porque é difícil ver um diferencial claro numa ideia — afinal, o que impede que outra pessoa pense nela? E terceiro: existe ainda a chance de que essa ideia que você teve não ser “a ideia” que vai se encaixar no famigerado “product market fit”, com muitas mudanças sendo necessárias no caminho. Mais do que se apegar a uma ideia, é importante prestar atenção ao problema ou à dor que você quer resolver.
Nesse sentido, o Brasil oferece grandes oportunidades para as startups: infelizmente, o que não falta aqui são problemas a serem resolvidos. Não é à toa que vemos muitas fintechs, edtechs e healthtechs surgindo no País (e também entre nossas investidas): elas atacam grandes dores locais e, portanto, podem se tornar negócios enormes. Na mesma toada, estamos vendo cada vez mais startups atacando áreas como seguros, agricultura e questões jurídicas. Além disso, há tendências seculares que surgem e podem gerar inúmeras empresas ao seu redor: e-commerce e digitalização de pagamentos são dois exemplos bastante consideráveis. Mas há problemas em diversos mercados — e por isso temos muito orgulho de ter startups de energia (Lemon, Clarke), segurança (Gabriel), cibersegurança (Unxpose, idwall) e diversos outros setores conosco.
Não acredito muito na ideia de que os fundos de venture capital são visionários, capazes de prever e moldar o futuro adiante. Não somos oráculos. Isso só é válido se houver conhecimento técnico bastante fundamentado sobre algum mercado em específico. É por conta disso que nós temos uma visão agnóstica de investimentos no Canary: não somos nós que vamos decidir em quais mercados vão surgir negócios gigantes. Não queremos fazer isso: os fundadores e fundadoras é que nos apresentarão esses mercados. Se escolhêssemos apenas um setor, poderíamos nem sempre escolher as pessoas mais capazes de crescer um negócio dentro das expectativas de um fundo de VC. Além disso, ao longo do tempo percebemos que uma startup pode mudar de setor, modelo ou até da forma de encarar um mercado. No que é possível investir, então? O que é que não muda?
As pessoas. Elas trazem consigo experiências, habilidades, incentivos e ambições que vão ajudá-las a construir negócios verdadeiramente grandes. É por isso que, aqui no Canary, nós olhamos primeiro para as pessoas. Hoje, conseguimos medir cerca de 40 critérios diferentes nos empreendedores e empreendedoras que conversam conosco. E conforme investimos, somos capazes de entender cada vez mais quais características são importantes para um(a) founder ter sucesso. Se vamos ser especialistas em algo, vamos ser especialistas em pessoas e em um estágio da jornada empreendedora. Com isso, queremos estar junto dos founders e das founders desde o primeiro momento em que decidirem que seu próximo ciclo profissional será a construção de um negócio escalável. Ao fazermos isso, podemos apoiar suas empresas com diferentes expertises — fundraising, talentos, dados, PR, conexões comerciais, em uma série de frentes nas quais temos dedicado nossos esforços aqui dentro.
Entre esses fatores que observamos nos(as) founders, é natural que o background seja considerado importante: por onde aquela pessoa passou e o que ele/ela já construiu? Em muitos casos, isso significa olhar para pessoas que já tiveram uma jornada empreendedora e decidiram começar de novo, às vezes em outro setor. Faz sentido querer apostar em quem já mostrou que é capaz de criar uma empresa de sucesso. Mas a lógica é diferente do que se espera: não se trata de investir só porque o(a) founder ajudou a construir um negócio relevante, mas sim pelas habilidades que possui e como as demonstrou para criar um business gigante a partir do nada. E nesse sentido, mesmo quem não construiu uma empresa gigante e deseja empreender mais uma vez pode ter suas habilidades bem avaliadas — não é à toa que vemos cada vez mais “second timers” criando negócios interessantes e captando investimentos.
Perceba que o foco aqui está mais nas habilidades do que no background em si — ele não é o fator principal para um investimento, nem existe um padrão para analisá-lo. Além das habilidades, também prestamos atenção em outros critérios: o fit e a visão daquele ou daquela empreendedor(a) para um mercado, como ele estrutura seu pensamento para o longo prazo, seus custos de oportunidade e sua obsessão com aquela proposta. Ser capaz de vender bem — não só o produto, mas também o sonho, seja para clientes, investidores ou talentos — também é um fator que conta muito. E, talvez também tão importante quanto, separarmos os oportunistas dos obcecados (queremos ser sócios do segundo tipo!).
É claro que garantir essa isonomia de investimentos é um passo difícil. Alguns setores podem parecer mais atraentes do que outros, alguns têm modelos globais com grandes chances de atração de grandes cheques internacionais, alguns podem ter empresas que tracionam mais rápido e é difícil remover esse viés. Analisar tudo de maneira igual é um desafio. Ter um método que olha para as pessoas é também uma forma de evitar esses vieses, ainda que seja bastante compreensível que alguns mercados concentrem mais deals. De qualquer forma, ao assinarmos um cheque, sempre temos motivos para acreditar que estamos investindo nas pessoas certas.
Uma das coisas que me motiva todos os dias é testemunhar quantos negócios incríveis ainda podem ser criados. Mais do que estar em contato com teses e modelos diferentes, eu me animo a ver empreendedores e empreendedoras com ambição. Gente que busca novos jeitos de resolver problemas ou encontrar oportunidades que possam afetar a vida das pessoas não só ao meu redor, mas de todo o País e, por que não, do mundo inteiro. Ajudar essas pessoas incríveis a ter ferramentas ou achar respostas para essas perguntas é entusiasmante. E estamos apenas no começo.
Artigo originalmente publicado no LinkedIn, em 9 de junho de 2021.