Lições compiladas de papos com Inès Schinazi, Mariana Dias, Lucas Mendes, Guilherme Azevedo e Florian Hagenbuch
“Startup não é para todo mundo. O bom de uma startup é que você vai poder fazer um pouco de tudo, o ruim é que você vai ter de fazer um pouco de tudo”. Como bem sinalizou Lucas Mendes, co-founder da Revelo, em um Canary Talks lá nos idos de 2018, trabalhar em uma startup tem suas particularidades. Do outro lado da moeda, recrutar e gerir talentos em uma startup também.
Principalmente no early stage, é complicado replicar padrões e modelos de empresas já consolidadas. Aliás, é complicado replicar padrões e modelos. Nessa fase, como já dissemos por aqui, vale apostar na construção de uma cultura forte. Com uma cultura bem definida, fica mais fácil ser certeiro na contratação e retenção de talentos.
Fit cultural das primeiras pessoas é peça-chave para a escala de uma startup. Talvez o único padrão ou regra que serve a todos nesse estágio seja que é preciso buscar quem tem garra e flexibilidade para jogar em várias posições. De resto, vai de cada cultura e cada qual.
(Foi a Mari Dias, co-founder da Gupy, que indicou o livro Garra: o poder da paixão e da perseverança, de Angela Duckworth. Cabe aqui a recomendação.)
De qualquer forma, algumas dicas e boas práticas podem ajudar founders em sua missão primordial de gerir equipes para que o negócio ganhe fôlego (não tem fôlego sem gente). Reunimos alguns ensinamentos aqui, com base em dois Canary Talks: esse de 2018 foi sobre recrutamento, com Mariana Dias (co-founder da Gupy), Lucas Mendes (co-founder da Revelo), Guilherme Azevedo (co-founder da Alice) e Florian Hagenbuch (co-founder da Loft e do Canary); o outro, sobre gestão de pessoas foi no ano passado com a Inès Schinazi (fundadora da We Speak Dreams) e liderado pela Mari Dias.
Convocar para a Copa do Mundo
Com o perdão da analogia esportiva batida, recrutar o time é crucial para a vitória em campo. E, como o técnico, o(a) fundador(a) desempenha um papel fundamental nesse processo no early stage. Além de garantir uma cultura sólida, deve se envolver pessoalmente em cada contratação e entrevistar os candidatos.
LEIA TAMBÉM: Cultura, rituais, times e OKRs com Igor Marchesini, da SumUp
“Se tem uma obsessão que o founder tem que ter é com gente”, diz Gui. “O papel do founder é ser obcecado em trazer as melhores pessoas que ele achar para dentro da companhia. E pessoas melhores que ele”.
Vale — e muito — ser ativo nessa busca pelo(a) atacante/lateral/zagueiro(a) perfeito(a). No começo, provavelmente vai jogar em várias posições mesmo. A título de curiosidade, o próprio Gui, quando estava no Dr. Consulta, tocava as áreas de marketing, operações e finanças até o business crescer e contratarem pessoas mais especializadas para cada frente.
Uma dica para encontrar esse(a) fera é a boa e velha indicação. Cabe ligar para todo mundo mega competente na sua rede e pedir referências. Spread the word mesmo. Para os que, porventura, baterem à porta pedindo a vaga, também compensa sondar com os contatos mais estratégicos. Se o retorno for “ahh, então”, desconfie…
O Lucas tem um método próprio quando acha que encontrou uma pessoa adequada. Ao invés de já marcar uma entrevista, gosta de chamar para um café. É uma forma mais descontraída de perceber qual é o momento de vida do profissional, quais são seus desafios e interesses e se ele realmente se encaixaria na empresa. “Ao longo da conversa, vou tomando mental notes”, conta. Se houver fit, o approach mais claro fica para um próximo papo.
Selling the dream
Nos primórdios de uma startup, mais do que nunca, é preciso vender o sonho. “Menos de 5% das empresas têm grande capacidade de atrair perfis”, diz o Lucas. “Na busca pelo candidato, o pequeno empreendedor tem o desafio de tirar da frente o clutter de skills técnicas e tem de fazer todo o screening cultural”.
Cultura, de novo, é um diferencial que ajuda na tarefa de encantar potenciais candidatos. E o fato de o founder tocar a entrevista e mostrar o quanto é mão na massa e está investido no propósito de fazer o negócio crescer também ajuda. Gente boa e com brilho nos olhos tem mais potencial de atrair gente boa e com brilho nos olhos.
À medida que a empresa escala, vender o sonho ainda é parte do processo de recrutamento, mas as pessoas acabam tendo mais entendimento sobre a instituição. Veja o caso da Ambev, por exemplo. Mesmo em uma fábrica com mais de 500 pessoas, o diretor da fábrica ainda precisa entrevistar candidatos na fase final e é parte do seu papel ali, não só analisar o fit do candidato, mas manter o encantamento.
Ter uma política atraente de Stock Options pode ser outro chamariz para talentos. “No começo do Dr. Consulta, esse foi um recurso que a gente usou bastante. E atrai gente que tem cabeça de empresário, gera um sentimento de dono”, comenta Gui.
Mas é preciso cautela e elaborar um plano de Stock Options deve seguir algumas diretrizes, já que a discussão, ainda que old news nos Estados Unidos, segue incipiente e sem legislação específica no Brasil (algumas lições neste material). Do ponto de vista do empreendedor, é preciso ser estratégico para quais pessoas e posições será oferecida a possibilidade de ter options.
A aposta deve ser realmente para quem vai vestir a camisa (aí outra analogia esportiva já tão batida no mundo de business que até esquecemos que é uma analogia). “Equity é meio como gasolina. Se você joga onde tem fogo, pega fogo. Senão é como desperdiçar gasolina no chão”, complementa Lucas.
Para Florian, também tem de ser bem avaliado mesmo, ainda que um plano de Stock Options tenha sido implementado tanto na Printi quanto na Loft. A possibilidade pode atrair dois perfis: o que vai ter o sentimento de dono (queremos!) e o que talvez esteja mais interessado em enriquecer rápido, principalmente à medida que as options ficarem mais populares aqui pelo Brasil. (Esse pode ser um desafio para startups brasileiras no futuro. A ver…)
Algumas táticas
No early stage, algumas outras táticas podem ajudar na escolha do melhor candidato para exercer determinadas funções. Envolver outras pessoas da empresa, mesmo que de áreas diferentes, pode ser uma boa alternativa tanto para garantir o tal do fit cultural quanto para a promoção de mais diversidade. Inès destaca ainda que todos podem ser um treasure hunter e ficar de olho em potenciais talentos que possam agregar ao negócio.
Criar processos e códigos também ajuda. Uma dica é criar um questionário com tudo o que se espera do profissional e ir vendo, ao longo da entrevista, se ele cumpre os requisitos.
“Meu conselho é deixar fácil, e não burocratizado”, diz Mari. “Vale colocar no papel todas as perguntas que você quer fazer e ir marcando uma pontuação ao lado de cada uma. Você nunca vai ter 100% de certeza, mas se não tiver isso estruturado, a chance de erro é maior”.
Conforme o time vai crescendo, é natural que se crie outras etapas. No caso do Dr. Consulta, quando havia de 300 a 400 pessoas, foi feito um processo com 6 fases. Quem fazia a proposta não era o RH, mas o dono da vaga. Com o uso do Workable, foi criado um formulário de avaliação de cultura e todas as equipes envolvidas nas entrevistas davam notas que ficavam registradas.
No Google e Instagram, para assegurar uma equipe mais diversa, são criados comitês rotativos para as contratações. Outra prática incentivada é a de compartilhar o job description com outras pessoas para não enviesar e para tentar ter mais assertividade no que esperar do talento.
Job description — Por falar no assunto, detalhar bem o job description faz uma bela diferença no processo. Ainda que isso não precise estar escrito em pedra, é um norte. E este é um consenso. Com metas claras e delineadas é mais fácil alcançá-las (volta e meia lembramos aqui da importância dos OKRs, mas isso é outro papo).
“Minha sugestão é: gaste muito tempo descrevendo quem é esse cara, o que ele fez, como ele age, o que ele conhece, qual é a história de vida dele. Isso vai gerar uma reflexão importante de quem é o profissional que você quer, assim você sabe quem está procurando”, enfatiza o Gui.
Corpo e alma no jogo
OK, o time está formado. Como mantê-lo com foco no jogo, sem deixar a bola na mão no adversário? Alô, técnicos e founders: de novo, aqui vocês precisam estar atentos para manterem uma cultura forte e todos alinhados no mesmo propósito.
Na era do people first, Inès traz algumas recomendações valiosas para engajar equipes. Primeira contratada do Instagram na América Latina, lá ela tinha a missão de descobrir e elevar vozes que não estavam sendo vistas dentro da imensidão do aplicativo — e assim reforçou sua crença de que líderes têm de ter muita escuta.
OUÇA TAMBÉM: Inès Schinazi: a trajetória — e os sonhos — da primeira contratada do Instagram na América Latina
“Todo mundo tem uma história incrível para contar. Como gerir, desenvolver e apoiar pessoas se a gente não as conhece? Parte do nosso papel como líder é criar um espaço para cada talento conseguir contar sua história e a gente tem de escutar, escutar, escutar”, afirma.
(Sobre isso de todo mundo ter histórias para contar, fica uma indicação de livro dela também: Minha História, da Michelle Obama)
Criar canais para cada um se comunicar é crucial para manter a motivação de todos em alta. Papos 1:1 podem ser super importantes, nem que seja um café. “Com isso, a gente consegue criar uma gestão mais customizada. Um grande erro é tentar achar um modelo one-size fits all. Cada pessoa é diferente e vai se adaptar a jeitos de gerir diferentes”, diz Inès. Uma boa prática aqui é fazer com que essas conversas virem rotina, sejam um compromisso, de forma que a pessoa saiba que aquele horário foi reservado para essa troca com ela. Claro que o tempo como founder é curto e muitas vezes é comum se perder com outras prioridades, mas pode valer o esforço para manter aquele colaborador que você quer ter por perto.
Para quebrar o gelo, principalmente com quem é mais tímido, a Inès já testou um método em que a pessoa tinha de apresentar alguma coisa que a representasse: podia ser texto, música, uma dança ou tecnologia. Talvez esse seja um bom caminho para entender melhor as paixões de cada um.
Team building
No Instagram, uma líder global frequentemente promovia o que apelidou de spirit exercise. Via Zoom, mesmo em tempos pré-pandemia, ela conectava alguns profissionais e pedia, a cada encontro, que eles trouxessem qual seria seu espírito animal, ou música, ou quadro (há limites para a criatividade aqui?). A brincadeira criava um senso de pertencimento do time e fazia com que todos se conhecessem melhor, mesmo a quilômetros de distância.
Esses momentos de interação contribuem para a retenção de talentos. Happy hours importam. E dá para ter muitas ideias fora da caixa para promover esses encontros. Quando estava na Suno United Creators, a Inès fazia uma atividade cultural com toda a empresa uma vez por mês, fosse uma ida ao cinema ou a uma exposição.
Palestras com pessoas de outras áreas totalmente diferentes também podem ser valiosas e trazer insights bem relevantes para o negócio, além de impactar os funcionários. Depois, a dica é promover uma discussão entre todos, para que não fique por isso mesmo e dê para prestigiar também quem está dentro de casa.
Em tempos de trabalho remoto… Se para muitos o trabalho remoto parecia irreal pré-2020, agora parece que veio para ficar em várias startups. Pode parecer mais desafiador engajar a equipe quando se pensa nesse contexto, mas há tecnologia e há muitas possibilidades, vide o tal do spirit exercise. Requer esforço, mas pode ser feito.
O fato de ter o funcionário de casa conectado ao Zoom pode ser usado a favor de promover mais interação. Ali é uma janelinha para a vida da pessoa: às vezes passa o filho atrás, o cachorro — por que não reparar nos quadros na parede?! — tudo tem potencial para virar assunto. A lição é estar verdadeiramente disponível e escutar — vale para qualquer canal.