Uma visão sobre o futuro do trabalho e das empresas com a Caju

Canary
9 min readFeb 18, 2021

As mudanças dentro e fora dos escritórios em uma conversa com Eduardo del Giglio, cofundador e CEO da Caju

Nas últimas duas décadas, o mundo viu uma grande revolução no que diz respeito à atenção com os consumidores. O cuidado com as pessoas, a possibilidade de flexibilizar serviços e escolher que tarifas pagar, os inúmeros programas de benefícios e fidelidade, a valorização do Net Promoter Score (NPS) como métrica; tudo isso faz parte de uma enorme transformação que impulsionou empresas em diferentes setores, da Amazon ao Nubank, para citar dois casos. A mesma transformação, porém, ainda está longe de acontecer no universo das empresas: se na vida pessoal muitos problemas são resolvidos com aplicativos ágeis e simples de usar, dentro do ambiente corporativo ainda há programas e soluções antiquadas, lentas e pouco customizáveis.

Foi justamente pensando num desses problemas que Eduardo del Giglio resolveu criar a Caju em 2019. “Eu lembro de passar na frente de um restaurante, ver aquele monte de adesivo de vale refeição na porta e não acreditar que o sistema era assim. Dava para ser mais simples e mais interessante para todos: colaboradores, empresas e estabelecimentos comerciais, como restaurantes e mercados”, diz ele, que já tinha passado por uma jornada empreendedora com a Blumpa, um marketplace de serviços domésticos. Ao lado de Renan Mendes, Edu resolveu atacar o mercado dos benefícios corporativos com uma solução flexível: permitir que cada pessoa escolhesse que quantia desejava gastar com vale refeição, alimentação ou transporte.

Dois anos depois — e com uma pandemia no meio do caminho — , a Caju já conseguiu entregar para muita gente a experiência de ter o controle dos seus recursos. Mais que isso: em um mundo em que o trabalho à distância parece ser uma tendência irreversível, a flexibilidade proporcionada pela empresa está ajudando diversos clientes a se adaptarem a novas dinâmicas de trabalho, atendendo às demandas dos colaboradores. Para Edu, o que estamos vivendo hoje é apenas o começo de uma nova era. “O futuro do trabalho é ser totalmente agnóstico no que diz respeito à localização das pessoas. Isso vai exigir preocupações diferentes quanto aos benefícios e quanto a outros aspectos também”, afirma.

Para explicar melhor como a Caju se encaixa nessa visão de future of work e falar sobre como há enormes oportunidades de criar melhores serviços para empresas e seus colaboradores, Edu bateu um papo com o Canary. Na conversa, ele também contou mais sobre a sua decisão de empreender de novo e deu dicas para quem deseja fazer o mesmo.

P: Você já tinha empreendido com a Blumpa e foi trabalhar em consultoria antes de criar a Caju. Por que recomeçar uma jornada empreendedora?

Quando eu comecei a Blumpa, eu percebi que aquilo era para mim. Foi um dos períodos em que me senti mais energizado. E quando eu trabalhei em outra empresa, senti que não queria fazer aquilo para o resto da vida. Trabalhar em consultoria foi uma experiência sensacional, é um lugar perfeito para quando você ainda não sabe o que quer fazer em seguida, mas quer estar preparado, conhecer outras indústrias e trabalhar com pessoas muito boas. Mas eu queria empreender de novo, estou sempre pensando em ideias de negócios.

E aí, em 2019, eu decidi que era a hora de embarcar. Fui reconectado com o Florian (Hagenbuch, partner da Canary), que depois de algumas conversas, me convidou para ser entrepreneur in residence (EIR, na sigla em inglês) no Canary. O lado bom de estar fazendo pela primeira vez, fora as lições que aprendeu, é que você já sabe que começar é a parte mais fácil, então não fica muito preso nesse começo. Nessa época, eu já tinha a ideia de que queria mudar o mercado de benefícios: eu tinha conhecido uma empresa do setor mais a fundo e percebi que dava para fazer algo diferente. Foi assim que surgiu a Caju.

P: Por que o mercado de benefícios precisava de uma revolução?

Quando você pensa em benefícios, o mercado brasileiro tem um sistema que é ruim para muita gente e bom para poucos. Quem se beneficia dessa jabuticaba são, marginalmente, os grandes empregadores e as empresas de voucher. Por outro lado, usuários e restaurantes acabam prejudicados. Eu lembro de passar na frente de um restaurante, ver aquele monte de adesivo de vale refeição na porta e não acreditar que o sistema era assim. Dava para ser mais simples e mais interessante para todos: colaboradores, empresas e estabelecimentos comerciais, como restaurantes e mercados. E flexível: isso é melhor para as pessoas. É algo que dá liberdade para o colaborador, sem criar trabalho operacional a mais para a empresa.

Além disso, há um paradigma maior em torno desse mercado. Nas últimas décadas, pensou-se muito no consumidor final. O NPS foi criado em 1993, a Amazon surgiu em 1994, fez IPO em 1997, e de lá para cá ela se tornou uma das maiores companhias do mundo com uma missão: ser a empresa mais customer-centric do planeta. Estamos vivendo as décadas dos consumidores. Mas dentro das empresas, ainda há muitos problemas: muitos softwares ruins, pouco flexíveis, com baixo nível de customização para a necessidade dos colaboradores. Ao mesmo tempo, o mundo está cada vez mais global, as pessoas trabalham de jeitos diferentes e em locais diferentes, então existe uma necessidade de melhorar isso tudo. Nós começamos olhando para essa dinâmica de benefícios e vouchers, são produtos que são usados todos os dias, geram tráfego, mas há muito para se fazer a partir disso.

P: Parte da missão e do dia a dia da Caju é bastante afetado por temas como regulação e legislação trabalhista. Como é inovar navegando em meio a esses assuntos?

É um processo muito interessante e desafiador, na minha opinião. É um grande aprendizado, porque você tem restrições, mas também pode adaptar o produto para cada situação e gerar algo muito bom. É preciso muita consulta, com área jurídica, com clientes, para entender o que pode ser feito e o que se encaixa nas necessidades. E é um trabalho em que o founder tem que estar presente, especialmente na primeira versão do produto. Vão ter decisões necessárias de serem tomadas que vão além do “pode” ou “não pode” fazer. É um papel do founder encabeçar essa etapa, até porque um produto é uma combinação de muitas decisões diferentes, com cada parte do time trazendo pontos de vista e dificuldades. É um lado muito energizante no começo da empresa. Pode parecer que dá mais trabalho, mas no nosso caso, por exemplo, criamos tecnologias assim no começo da Caju que no futuro vão ser aplicáveis em outros produtos que vamos lançar. É por aí que a inovação é guiada.

P: Em 2020, a “preocupação com colaboradores” foi uma das grandes pautas no mundo corporativo. Como isso se refletiu no ano da Caju?

Janeiro e fevereiro tinham sido nossos dois primeiros meses e estávamos indo super bem. Em 13 de março, mandamos todo mundo para casa e vários contratos que estávamos negociando ficaram em suspenso. Estávamos morrendo de medo. Mas de março para abril, vimos que os negócios voltaram muito mais fortes e percebemos que não íamos ser impactados. Um lado bom é que os processos dos RHs viraram digitais. E houve de fato essa onda de preocupação, em diversas partes. Foi uma coisa genuína: primeiro, era a preocupação se o colaborador estava doente. Depois, foi com a dor nas costas, a onda de mandar cadeira para a casa das pessoas. E a questão de gastos imprevistos, como luz e internet, ou empecilhos, como o VR que não passa no Rappi e no iFood e o colaborador não poder pedir comida online. A consequência foi que a Caju passou a ser uma alternativa legal para o colaborador e virou assunto por causa disso.

Além disso, nós conseguimos economizar muitas horas do time comercial, para não precisar mais ter que andar até o escritório do cliente. Foi um ano positivo e, talvez, para crescer o que a gente cresceu, a gente tivesse necessitado de um time maior se tudo fosse presencial.

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P: Como você enxerga a Caju em 2021, considerando que o futuro do trabalho já não é mais como era antigamente?

Do lado da Caju, a gente enxerga um ano bem positivo: as empresas continuam buscando soluções e o nosso produto é bem é super aderente a esse momento, as áreas de gente adoram. E sim, o futuro é diferente: acho que vamos continuar trabalhando de forma remota sempre. O futuro do trabalho é ser totalmente agnóstico no que diz respeito à localização das pessoas. Se você estiver em São Paulo e seu trabalho for na cidade, talvez você vá uma ou duas vezes para o escritório na semana. Mas se você for viajar, passar um mês na Argentina, você vai. A gente vai conviver com equipes mais globais.

E isso vai exigir preocupações em termos dos benefícios: ter um cartão Visa é melhor do que ter um cartão que não funciona em todos os lugares. O seguro saúde vai ter que funcionar fora do Brasil ou então ter alternativas de reembolso adequadas. Em outros aspectos também haverá mudanças nas preocupações. Mas esse é um futuro de longo prazo. Em 2021, vamos consolidar algumas coisas: muita gente já está comprando escrivaninhas ou fazendo reformas para ter um escritório em casa. Pode parecer uma mudança pequena, mas não é. E viver de um modo diferente por dois anos já é muita coisa, porque muda toda uma geração.

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P: Como a Caju vai evoluir no longo prazo, passando de um produto simples de entender para dar conta da complexidade desse trabalho do futuro?

Eu vejo a Caju como uma empresa moderna de software. Hoje, o Brasil tem poucas grandes empresas de software enterprise, se comparado a outros países do nosso tamanho. E quase todas elas são ainda de um modelo tradicional, on premises, majoritariamente. São empresas ótimas, mas não acho que sejam empresas modernas de software, com uma visão de integração forte, elas são, normalmente, seus próprios ecossistemas. Empresas modernas vivem do ecossistema, É o caso da Twilio, da Shopify, da Snowflake. A Shopify não existe sem uma integração do Stripe ou PayPal, o Twilio não existe sem integração. São companhias que apostam na integração de seu produto, no ecossistema, não apenas num produto que faz tudo.

Eu vejo a Caju assim: quando você entrar numa empresa, vai receber um link da Caju para preencher seus dados. Nesse link, você vai ter um cartão de benefícios, que também pode ser um cartão corporativo, mas também vai definir beneficiários de seguro de vida, previdência, vai poder avaliar os colegas, receber notificações da empresa, checar holerite… vai ser a experiência moderna do colaborador. E tudo isso será integrado: não necessariamente o holerite será feito pela Caju, mas o colaborador vai poder ver tudo lá. Essa é a visão de longo prazo.

P: Para fechar: que conselho você dá para o empreendedor que já encerrou uma jornada e quer começar de novo?

Escolha algo que você não vai ter problema de passar cinco ou dez anos fazendo. Antes, eu trabalhava num ramo que eu não amava. Eu não era exatamente apaixonado por serviços domésticos, apesar de resolvermos um problema gigante para diaristas e profissionais de limpeza em minha primeira empresa. Eu não gosto de carros, não acho que conseguiria fazer algo nessa área. E sei que pode parecer difícil olhando de fora, mas eu sou apaixonado pelo que fazemos (benefícios corporativos). Eu gosto porque a gente pode mudar a forma como as pessoas se relacionam com seu dinheiro e com sua empresa. Existe uma oportunidade incrível e isso vai além do dia a dia. Trabalhar numa instituição financeira pode parecer chato, mas aposto que fazer o Nubank deve ser transformador. Se você vai fazer de novo, escolha o que você quer fazer, pensando no longo prazo.

E faça uma lista dos erros que você cometeu antes e pode evitar de cara. Dois casos para mim foram o de time e marca. Eu quis começar com um time de alto nível e sabia que precisava ter uma marca boa. Investimos bastante para ter uma marca legal no começo e hoje é uma marca que a gente se orgulha. Mas o mais importante é fazer algo que você vai fazer pelas próximas décadas.

(Se você quer saber mais sobre marcas, recomendamos o texto que a Guta Tolmasquim, da Brand Gym, escreveu sobre branding no early stage)

Esta entrevista com Eduardo del Giglio faz parte de uma série de papos com founders que fazemos aqui no Canary Post.

Os últimos foram com Thiago Rached, da Letrus; Isabel Nasser, da Kestraa; e Kenny Laplante, da Genial Care.

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